Um
perfil psicológico de Salazar
Era um camponês |
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Era um homem apegado à terra, à vida rural, ao fundo agrícola da sua família e da sua infância.
O rapazinho que tantas vezes teria ajudado o pai em pequenos trabalhos de lavoura, descalço a regar a horta, ou talvez de tamancos a apanhar a azeitona, a colher o feijão, a cortar o milho, a guardar as ovelhas, continuava dentro dele. O espírito de independência que levara os bons rurais a labutar incansavelmente para manter vida limpa e a cabeça levantada, nos cuidados da fazenda e até na abertura da pequena pensão, que mais tarde eles mesmos fechariam, também se manteve no seu feitio.
Até em certas expressões ficou sempre o homem das berças. Quando se referia às suas irmãs era sempre: «a minha Marta», «a minha Elisa», «a minha Laura», ao jeito próprio do povo. E, é curioso, à irmã Maria Leopoldina costumava referir-se chamando-lhe: «a minha Capitolina».
Ia a guerra de Espanha em princípio e já a boa vontade
de alguns nacionalistas via as tropas de Franco a dominar completamente
toda a Espanha. Um dia em que Artur Maciel, então no S.P.N., lhe
dava notícias, transmitindo-lhe essas esperanças, o Presidente
abanou a cabeça:
- Ná... Lá para o S. Miguel ainda teremos guerra...
O dia de S. Miguel, celebrado pela Igreja a 29 de Setembro, corresponde
na vida do campo ao fim do ano agrícola, com as colheitas realizadas
e o vinho vindimado, e por isso marcado em regra como termo do prazo dos
pagamentos de rendas.
Em mais do que um passo dos seus discursos se evidenciaria um fundo
de camponês:
Que pena me faz a mim, filho do campo, criado ao murmúrio
das águas de rega e à sombra dos arvoredos, que esta gente
de Lisboa passe as horas e dias de repouso acotovelando-se tristemente
pelas ruas estreitas, e não tenha um grande parque, sem luxo, de
relvados frescos e árvores copadas, onde brinque, ria, jogue, tome
o ar puro e verdadeiramente se divirta em contacto com a natureza!
Mais tarde, havia de confessar a Christine Garnier:
- Eu sou um camponês, filho de camponeses. Não posso
viver sem respirar o cheiro da terra. Para trabalhar preciso de sentir
em volta de mim árvores, moitas e flores.
Delicia-o sobretudo o cantar das fontes:
- É o único ruído que suporto. Gostaria de
ouvir, a toda a hora, este canto cristalino.
Era ainda o camponês que se ria da ignorância dos citadinos:
Estavam em curso as obras da barragem do Castelo de Bode, quis ir vê-las.
Acompanhavam-no, além de um dos engenheiros directores dos trabalhos,
os drs. João Lumbrales e Bento Coelho da Rocha.
Depois de tudo muito bem visto e apreciado, ao fazerem um pequeno percurso
a pé em caminho ladeado de árvores, Salazar deteve-se diante
de uma e disse ao engenheiro, com quem tinha grande confiança:
- Repare nesta amoreira, como é bonita!
O engenheiro concordou:
- É de facto uma linda amoreira!
Salazar sorriu:
- Olhe que não é uma amoreira. É um carvalho.
Os senhores da cidade não são capazes de distinguir as árvores
. . .
E nos olhos risonhos, o aldeão divertia-se.