Um
perfil psicológico de Salazar
Conversa com o Sr. Correia |
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O sr. José Correia dos Santos era um homem muito considerado em Santa Comba. Viera do Brasil com o resultado confortante de alguns anos de trabalho, de economia e de bom-senso. Democrata convicto, fora administrador do concelho no tempo da I República, sem se deixar arrastar por excessos de sectarismo. Nomeado tesoureiro da agência local da Caixa-Geral de Depósitos, ali mantinha a atitude de sensatez e de respeito que o tornara benquisto de toda a gente.
Numa manhã daquele Setembro fatídico de 1939, que principiara
com a invasão da Polónia pelos exércitos aliados da
Alemanha nazi e da Rússia soviética, disse-nos o sr. Correia:
- O Salazar está cá.
- No Vimieiro?
- Não. Aqui na vila. Vi passar o carro há pouco. Ia visitar
uma tia muito velha que mora ali para cima. Quando cá está,
vai sempre visitar aquela tia. Mas eu já sabia que ele cá
estava: as luzes das ruas ficaram acesas toda a noite.
- Porque é que deixam as luzes acesas? Medo de algum desacato?
- Não. É só em sinal de consideração
pela presença dele.
- Aqui deve haver muita gente que o apoia...
- Não. É mesmo o concelho onde a oposição
é maior.
- Mas isso não representará um perigo?
- Não, senhor. Aqui todos o respeitam e o estimam. Podemos não
gostar da política dele, mas isso não tem nada para o caso.
Anda por aí à vontade, fala a todos e todos o respeitam.
Daí a pouco, o sr. Correia dirigia-se a um homem baixo e forte
que fora à Caixa:
- Então, Afonso já viste o teu irmão? Ele está
cá, que eu já o vi passar...
Quando o homenzinho saiu, explicou-nos:
- Este é irmão do Salazar.
- Irmão? Ora essa! Eu julgava que o Salazar só tinha
irmãs...
- Sim. Do matrimónio dos pais, só tem irmãs. Mas
este Afonso é filho natural do pai. Uma aventura de rapaz... ! um
facto conhecido de toda a gente.
- E eles tratam-se como irmãos?
- Não. Mas falam-se muito bem. O Afonso, de resto, não
se governa mal. É reformado da Guarda Fiscal e ainda está
tão bom que tem aí um empregozito. . .
- O irmão é que não deve gostar da acumulação.
É contra o facto de as pessoas terem mais do que um emprego. ..
Anos mais tarde, numa reunião da União Nacional em Viseu,
o representante do concelho de Santa Comba começava assim a sua
exposição:
- Ao meu concelho pode bem aplicar-se o ditado: «Em casa de ferreiro,
espeto de pau». É que, de todos os concelhos do distrito de
Viseu, é exactamente o de Santa Comba, onde nasceu o Dr. Salazar,
que não tem maioria esmagadora da União Nacional. A oposição
está ali bem implantada.
Perguntamos depois ao Dr. Marcelo Caetano, que presidia à reunião,
qual seria a causa daquela excepção. E ele explicou:
- Quando o Dr. Salazar foi para Lisboa, precisava de pessoas de confiança
em diferentes pontos da administração. Em Lisboa não
tinha ninguém. Por isso levou de Santa Comba as pessoas em quem
podia confiar, como era por exemplo o caso do José António
Marques, do Alfredo Mendes de Almeida Ferrão... Com a saída
deles, o concelho ficou sem ter ali alguns dos elementos de apoio eleitoral
mais importantes. E a oposição marcou uns pontos...