Uma das preocupações essenciais
de Artaud é a relação do homem com o seu
meio e seu teatro se faz para desmanchar a confusão que
dela nasce. Separa Artaud o homem do meio social e o insere na
natureza, conjunto das coisas existentes, "mundo com o qual
nos deparamos para, em seguida, conciliá-lo com os Acontecimentos
e o seu Destino, estoicismo que adota.
O materialismo estóico, espiritualista(JB E) como em Artaud,
vê, na natureza, tudo que atua como corpo, diferenciando
o substrato ou matéria sem qualidade; a qualidade, o que
determina as diferenças na matéria; a maneira de
ser e a relação. Estas duas seriam incorpóreas,
desprovidas de realidade autêntica; sendo visões
da realidade, dependem da presença de organismos que a
observem.
É a mesma cisão operada por Artaud, o homem tomado
em separado como produtor de visões sobre a realidade.
Artaud avança. Se a relação entre dois corpos
atua sobre outras relações e sobre outros corpos,
também seria corpórea. Como produto das visões
sobre a realidade viram os estóicos o exprimível,
contendo a palavra, o objeto e o significado, este incorporal.
Viu Artaud o significado atuando, então o viu como corpo.
Uma questão se coloca: o mundo é ou não
uma massa amorfa?
Artaud compreende Kant(FDA M), que procura, em lugar de preocupar-se
em estudar a estrutura do mundo, "buscar o porquê
dentro de nós de o mundo apresentar a estrutura que nele
descobrimos". O mundo não seria uma totalidade formal
e estrutural "que independe de nós, mas uma potencialidade
amorfa à qual nossa percepção fornece uma
estrutura".
Parece Artaud, contudo, pensar diferente: as coisas reais são
e formam estruturas que independem de nossa presença,
embora tenhamos a capacidade de imaginar novas estruturas e concretizá-las.
Note-se que Artaud nos parece panteísta: Natureza é
Deus. Preocupa-se Artaud com este aspecto revelador da matéria
que parece, de repente, desabrochar em signos para nos ensinar
a identidade metafísica do concreto e do abstrato ou a
forma só existe no organismo que observa o real - o mundo
tem a forma natural retirada, por nossos órgãos
dos sentidos, de uma estrutura real - tornando-se necessário
reaprendermos a nos aproximar da natureza.
Para Raymond Ruyers, em textos de 1932 a 1949, a forma e a estrutura
se diferenciam, esta de ordem física, aquela de ordem
fisiológica. A forma transcende à estrutura e existe
através dela. A forma é dinâmica, a estrutura
estática e devem se harmonizar: a estrutura age sobre
a forma que age sobre a estrutura, à procura de equilíbrio.
É inerente ao ser humano: mesmo sem a cultura cristalizamos
nossas experiências em formas repetitivas, estruturas repetitivas,
pelo processo mesmo de tentativa de reconstrução
do real em nosso mundo interno. Nisto parece crer Artaud, como
Piaget, seu contemporâneo
No mundo dos significados/significantes muitas vezes citado por
Artaud, a palavra é corpo, o objeto é criação
do homem a partir de uma matéria prima, a coisa real:
"a inteligência cria o objeto e o experimenta... só
o uso da realidade verifica a ativi-dade mental quando esta se
acha em seu nível e em sua capacidade" (AA T).
Se para Sartre(JPS I), "coisa é tudo que existe",
ou a forma inerte que independe de mim ou de outra consciência,
para Artaud a coisa real tambem é produtora de formas/visões.
Em Artaud aprender a queimar formas é aprender a perceber
o real. "Ser cultivado é aprender a manter-se em
pé no movimento incessante das formas que destruímos
sucessivamente".
Artaud nos propõe que variemos as formas internalizadas
de cada estrutura observada, bem como os pontos de vista extraíveis
de cada forma internalizada. Quer que aumentemos nossa sensibili-dade
para a internalização de uma população
formigante de da-dos e que neguemos todos os pontos de vista
"a priori".
Percebendo a realidade dada ao lado da realidade construída,
parece saber que o homem observa as coisas reais e cria sistemas
de in-terpretação/leitura da realidade ao criar
os objetos, e sabe que estes objetos e as formas/imagens com
que os internalizamos es-condem a realidade que se quer conhecer.
Percebemos os esforços culturais para de cada CR extrair
uma forma/noção e os esforços de Artaud
para de cada CR extrair múltiplas formas/noções(pontos
de vista). No processo de "reestruturação
perceptiva de Piaget(AMB DTJP), temos:
Estrutura física ---> forma
v
somatória de formas
v
boa forma definitiva
v
idéia
enquanto em Artaud, como processo de "queimar formas",
temos:
Estrutura física ---> aglomerado sem forma
v
expressão em múltiplas formas
v
múltiplas boas formas definitivas
v
múltiplas idéias
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