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Personagens e Cenas do Roteiro

Vera - Morena, 21 anos, estudante de música. Espontânea, um pouco medrosa, mas capaz de iniciativas inesperadas. Divide um quarto na pensão de Margô, com a prima Carina.

Carina - Ruiva, 21 anos, estudante de medicina. Decidida, curiosa, obcecada em desvendar o mistério que cerca o esqueleto do anão e as formigas.

Margô - Muito branca, velha, balofa, de peruca negra. Veste um desbotado pijama de seda japonesa e tem as unhas pintadas de vermelho-escuro, descascado nas pontas. Dona da pensão onde moram Vera e Carina.

Tigrela - Alta, muito magra, na faixa dos 50 anos, feição fina, também ostenta o mesmo branco de quem vive na sombra. Não vê necessidade de falar. Empregada de Margô.

Anão - Usa o cabelo pintado de louro, anda sempre de colete, fumando um grande charuto. Aparência sinistra, perversa.

 

Trechos de Cenas

 

Vera toca violoncelo, sentada numa cadeira perto da mesa onde os pratos do jantar ainda estão espalhados e ainda resta meia garrafa de vinho. Carina está sobre uma das camas examinando uma pequena tíbia que retirou do caixote.

Carina

Um anão... Raríssimo, entende? E acho que não falta nenhum ossinho, vou trazer as ligaduras, quero ver se no fim da semana começo a montá-lo.

Vera (farejando)

De onde vem esse cheiro?


Vera vai até o caixote, volta, cheira o assoalho.

Vera

Você não está sentindo um cheiro meio ardido?

Carina

É mofo. A casa inteira cheira assim.


O quarto está iluminado apenas pela luz da rua. A maçaneta da porta se move e ela abre devagar. Vera acorda, mas não se move.
Entra um anão louro, de colete xadrez e cabelo repartido ao meio, fumando um grande charuto. Senta-se na cama de Carina, cruza as perninhas e fica alí, muito sério, vendo-a dormir...



Carina está ajoelhada no chão, olhando fixamente para o assoalho.

Vera (assustada)

Que é que você está fazendo aí?

Carina

Estas formigas. Apareceram de repente, já enturmadas. Tão decididas, está vendo?


Vera levanta e vê uma trilha de formigas, que entra pela fresta debaixo da porta, atravessa o quarto, sobe pela parede do caixotinho com ossos e entra nele.


Vera

São milhares! Nunca vi tanta formiga... E Não tem trilha de volta...

Carina (pensativa)

Só de ida...



Carina puxa o caixote dos ossos debaixo da cama.


Carina

Está preto de formiga... Me dá o álcool.

Vera (entregando o vidro de álcool)

Deve ter sobrado alguma coisa aí nesses ossos e elas descobriram, formiga descobre tudo. É melhor levar isso lá pra fora.

Carina respinga fartamente o álcool em todo o caixote. As formigas saem do caixote.

Carina

Mas os ossos estão completamente limpos, eu já disse. Não ficou nenhum fiapo de cartilagem, limpíssimos... Queria saber o que essas bandidas vêm fuçar aqui.


 

Sentada à cabeceira da mesa, Margô toma café, enquanto na outra cabeceira e na cadeira ao lado, Vera e Carina esperam o seu café. Margô olha para elas com expressão um tanto divertida e dirige-se à Tigrela.


Margô

Elas vão apreciar o especial da casa, não éTigrela?


Margô dá uma gargalhada sinistra. Tigrela, que está de costas frente a um fogão grande e antigo, preto de tisna, vira-se para a patroa com sorriso aberto e malicioso. Traz nas mãos uma bandeja coberta com um "abafador", preta de formigas, que escorrem pelos seus braços. Aproxima-se de Vera, curva-se em sua direção, tira a tampa e oferece a ela um prato preto com os ossos do anão.
Vera grita.

Carina examina mais uma vez o local onde estava a trilha de formigas. Vai até a mesa e abre o caixote dos ossos. Fica um bom tempo tentando montar o esqueleto, cada vez mais obcecada pela idéia. Fuma um cigarro atrás do outro. Passam-se horas e ela não consegue.
Até que desiste e desarruma tudo, bastante irritada. Dá um tempo e volta a observar atentamente os ossos. Volta a montar o esqueleto, bastante concentrada.

O trinco da porta gira lentamente. A porta se abre devagar, mas não o suficiente para ver quem está atrás dela. Carina observa paralisada de medo. A mão de Vera, com uma luva preta, surge na fresta da porta com um buquê de flores silvestres.

Carina grita. Vera entra no quarto com o buquê e uma garrafa de vinho tinto.


Vera

Surpresa!

Carina (irritada)

Droga, Vera! Isso é coisa que se faça? Quase me mata de susto!

Vera

Desculpa, não foi a minha intenção

Carina

Deixa pra lá... Eu tô muito irritada porque não consigo montar esse maldito esqueleto.


Vera entrega as flores a Carina.

Carina

São lindas! Gracias...

Vera

E as formigas?

Carina

Até agora nenhuma.

Vera

Onde você jogou as mortas?


Carina encara Vera, séria.


Carina

Não joguei em nenhum lugar, estava exausta. Não foi você quem varreu?

Vera

Eu?! Quando acordei, não tinha sinal de formiga nesse chão... Mas, então, quem?!


Carina apertou os olhos, preocupada.

Carina e Vera dormem profundamente. Carina acorda, olha pro chão e vê que as formigas voltaram. Com cuidado (temor) vai até o caixote, abre e se assusta com o que vê. Corre até Vera e tenta acordá-la, sacudindo-a pelos braços. Vera acorda passada, segurando a cabeça com as mãos, sem entender muito o que se passa.


Carina (lívida)

Voltaram

Vera (arrasada de ressaca)

Quem?

Carina (falando baixinho)

As formigas. Quando acordei, elas já tinham feito a trilha. Então fui ver o caixotinho, aconteceu como eu esperava...

Vera (aflita)

Que foi? Fala depressa, o que foi?


Carina fixa o olhar em direção ao caixote que está embaixo da cama.


Carina (afobada)

Estão mesmo montando ele. E, rapidamente...o esqueleto já está inteiro, só falta o fêmur e os ossinhos da mão esquerda... Fazem isso num instante. Vamos embora daqui.

Vera (confusa)

Você está falando sério?

Carina (apressada, puxando as cobertas de Vera).

Rápido. Não temos muito tempo .

Vera

Mas, sair assim, de madrugada?

Carina (puxando Vera da cama)

Imediatamente, melhor não esperar a bruxa acordar. Vamos, levanta!

Vera (já de pé)

E para onde a gente vai?

Carina (pegando uma roupa)

Não interessa, depois a gente vê. Vamos, vista isso.

Vera

Deixa de loucura, Carina! Afinal da gente vai fugir do quê? Um bando de formiguinhas?

Carina

Eu já disse que elas estão montando o anão. Olha aqui! Vem!

Vera (em dúvida)

Não... Não quero ver nada... Deixa eu pensar... Droga! ... (já arrumando suas coisas) Será que vai dar tempo?

Carina

Meu Deus, (olhando o caixote meio de longe) elas já montaram o femur!


As duas começam a arrumar as malas de qualquer jeito, em silêncio, pegam as coisas lívidas.


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