CenárioAs LER /DORT no BrasilI. INTRODUÇÃOEste texto tem o objetivo de dar ao leitor uma idéia atualizada dos principais pontos de discussão sobre as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) / Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). II. DEFINIÇÃOAs LER/DORT por definição são um fenômeno relacionado ao trabalho, caracterizado pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, tais como dor, parestesia, sensação de peso, fadiga, de aparecimento insidioso, geralmente nos membros superiores. Entidades neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites, compressões de nervos periféricos podem ser identificadas ou não. Freqüentemente são causa de incapacidade laboral temporária ou permanente. São resultado da superutilização das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular e da falta de tempo de recuperação. III. OUTRAS NOMENCLATURASLER/DORT são utilizados como sinônimos de Lesões por Traumas Cumulativos, Distúrbios Cervicobraquiais Ocupacionais, Síndrome Ocupacional do "Overuse". IV. FATORES DE RISCONão há uma causa única e determinada para a ocorrência de LER/DORT. A literatura mostra que vários são os fatores existentes no trabalho que podem concorrer para a ocorrência de LER/DORT. São eles: repetitividade de movimentos, manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado, esforço físico, invariabilidade de tarefas, pressão mecânica sobre determinados segmentos, trabalho muscular estático, choques e impactos, vibração, frio e fatores organizacionais. Para que os fatores acima possam ser considerados de risco para a ocorrência de LER/DORT é importante que se observe a sua intensidade, duração e freqüência. Ressaltamos a importância da organização do trabalho caracterizada pela exigência de ritmo intenso de trabalho, pelo conteúdo pobre das tarefas, pela existência de pressão, autoritarismo das chefias, mecanismos de avaliação, punição e controle da produção dos trabalhadores em busca da produtividade, desconsiderando a dieversidade própria do homem. V. FENÔMENO MUNDIALOs registros de vários paises demonstram o alto contingente de trabalhadores atingidos pelas LER/DORT. Alguns deles enfrentaram e enfrentam ainda epidemias de LER/DORT. No Brasil, a partir de 1987, quando a doença passou a ser reconhecida como ocupacional pela Previdência Social, os registros de casos aumentam a cada ano, passando a ser as mais prevalentes entre as doenças ocupacionais, segundo informações daquela instituição. E por que se observa esse aumento ininterrupto? Alguns se utilizam da teoria psicossomática para a explicação do fenômeno, atribuindo a ocorrência de LER/DORT à interação entre "aparelhos psíquicos atípicos" e atividades repetitivas. Outros acreditam que a ocorrência de LER/DORT seria a expressão de conflitos psíquicos de personalidades histéricas. Outros advogam a má intenção dos trabalhadores para obter compensações financeiras. As hipótese acima focalizam a existência do problema no homem, enquanto a tendência atual é de considerar o adoecimento como expressão da interação do homem e seu meio. Essa forma, vários fatores devem ser considerados na explicação do fenômeno LER/DORT:
VI. PROCESSO DE RECONHECIMENTO DAS LER/DORT COMO DOENÇA OCUPACIONAL NO BRASILHá uma distância entre o conhecimento adquirido através dos estudos e a legislação. No caso das LER/DORT, a literatura internacional já evidenciava a sua existência em larga escala desde a década de 70. No entanto, apenas em meados da década de 80, casos diagnosticados como tenossinovite entre digitadores levaram os sindicatos de trabalhadores em processamento de dados a lutar pelo reconhecimento dessas doenças como fruto da profissão. Em 6 de agosto de 1987, atendendo à reivindicação dos sindicatos, o Ministério da Previdência Social publicou a Portaria 4062, que reconheceu a tenossinovite do digitador como doença ocupacional. Embora utilize a expressão tenossinovite do digitador, estende a possibilidade do acometimento de outras categorias profissionais que "exercitam os movimentos repetidos dos punhos". No aspecto preventivo, em 23 de novembro de 1990, o Ministério do Trabalho publicou a Norma Regulamentadora número 17, onde fixa normas e limites para as empresas onde há postos de trabalho que exigem esforços repetitivos, ritmo acelerado e posturas inadequadas. Em 1991, o então Ministério unificado do Trabalho e da Previdência Social publicou a Norma Técnica de LER, que incorporava conhecimentos de literatura e da prática dos profissionais de saúde do país, incluindo várias entidades neuro-ortopédicas como LER e ampliando as categorias profissionais passíveis de acometimento. No entantom, se há uma distância entre o conhecimento e a legislação, há leis que são cumpridas e outras que são simplesmente ignoradas. Neste caso, embora houvesse a Portaria 4062 citada anteriormente e a Norma Técnica de 1991, na prática somente os digitadores conseguiam ter seus casos reconhecidos como ocupacionais. Assim, em 1992, após eventos públicos de informações e discussões, as Secretarias de Estado da Saúde de São Paulo e de Minas Gerais publicaram a Norma Técnica sobre LER, cuja elaboração envolveu a sociedade civil, representantes de trabalhadores, empregadores, poder público e universidades. Essa Norma Técnica teve o grande mérito de ter envolvido amplos setores sociais na sua elaboração e ter sido o resultado de um "consenso social". Em 1993 a Previdência Social atualizou sua Norma de 1991, incorporando conceitos consensuais que haviam se estabelecido e dando cobertura ampla aos acometidos. Em 1996, a Previdência SocialREFORMA DA NORMA TÉCNICA DA LER/DORT. A Previdência resolve fazer uma reforma na Norma Técnica de 1993, na surdina, desconsiderando todos os segmentos envolvidos para a discussão deste tema. O movimento sindical denunciou esta postura da Previdência, num Seminário Nacional sobre Ler, que aconteceu em Brasília, em junho de 1.996. A partir desta denúncia a Previdência convida as centrais sindicais para participar da comissão que revisou as Normas Técnicas para avaliação da Incapacidade por LER, obrigando que esssas representações fossem de formação médica (apenas a CUT nesta fase enviou representantes). A Comissão foi composta por vários peritos do INSS de SP, Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo, do CRP/INSS, da DRT/SP, da UNICAMP e do CEREST/SP. No dia 10 de junho ocorreu a primeira reunião com a participação da CUT, pois o grupo técnico revisor já estava funcionando anteriormente..No final de 1996, a Previdência resolve montar uma comissão de redação, alterando significativamente o que havia sido debatido anteriormente pelos componentes da comissão e chama para uma leitura do texto, numa reunião do dia 25.04.97, onde seus componentes recebem, no próprio dia, a última versão da proposta da Norma, que tem 37 páginas e consta de duas seções. Sem tempo para discussão, a Previdência edita essa versão, sem considerar as opiniões dos vários componentes da comissão. A profusão de textos, incluindo contribuições externas, terminou gerando, progressivamente, uma espécie de “colagem de textos”, de forma que a despeito de algumas valiosas contribuições, perdia-se a dimensão do todo, chegando ao ponto da contradição explícita de conteúdo entre tópicos, que deveriam esstar bem sintonizados. A CUT denuncia o autoritarismo e a metodologia adotada para a revisão e organiza um Seminário Nacional, articulado por vários parlamentares para elaborar uma proposta para ser encaminhada ao Ministro. Foram feitas várias audiências no Ministério, solicitando que esse processo fosse iniciado novamente, com a representação paritária de governo, trabalhadores e empresários, de forma democrática e transparente . Nenhuma das reivindicações foram contempladas, e nos dias 19 e 20 de Agosto de 1998, o Min. da Prev. Social, através do diretor do Seguro Social, fez publicar, no DOU, através OS/DSS/INSS 606, o novo texto da NT LER/DORT- Lesões por Esforços Repetitivos, rebatizada de DORT- Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. A norma técnica, editada através da Ordem de Serviço número 606, traz uma série de mudanças, que não se restringem à denominação da moléstia ocuopacional. Tais mudanças impossibilitam que o trabalhador, acidentado, tenha acesso aos benefícios previdenciários por incapacidade, violando-lhe direitos garantidos pela Constituição Federal (art. 194) e legislação inferior. Os procedimentos adotados para a revisão das Normas Técnicas da Previdência, sobre LER, Benzeno, Pair e Pneumoconiose se coadunam dentro de uma estratégia do governo para adequá-las para a privatização do Seguro Acidente de Trabalho. Enfim, o que denota é que essa Revisão resultou num grande retrocesso social, que os trabalhadores conseguiram através de sua mobilização apenas retardar, por volta de dois anos, a edição desta Norma INVISIBILIDADE DA DOENÇAUm tema bastante recorrente entre os trabalhadores com LER/DORT é a questão da invisibilidade da doença e da discriminação de colegas de trabalho, amigos e até de parentes. Cito alguns depoimentos de trabalhadores com LER/DORT: “Mesmo sabendo dos limites, tendo conversado com minha turminha lá de casa, me experimento, me texto (...)É difícil aceitar a limitação(...).Somos discriminados em casa e no trabalho. Limitações que ninguém entende”. “A gente até duvida da própria dor, que ninguém vê (...) Cada vez mais vai se diminuindo”. Um outro problema é quanto ao seu futuro profissional, segue fala de um trabalhador: “Escravos marcados. Tenho uma CAT na carteira, uma marca. O que espero? Me aposentar ou ficar como uma inútil perante a firma. E isso me deixa muito triste mesmo”. Mudar essa situação, pondo fim à escalada de exploração e desrespeito é desafio e tarefa que competem aos próprios trabalhadores, às lideranças sindicais, aos profissionais da área da saúde do trabalhador .O resultado da postura irresponsável de empregadores tem gerado um grande agravamento dos problemas, acarretando uma verdadeira epidemia de LER/DORT, doenças psicossomáticas relacionadas com o trabalho(problemas cardio circulatórios, gastrointestinais e repiratórios) e sofrimento mental(expresso em casos de alcoolismo, depressão, insônia e até impotência sexual). O trabalho deve servir para sustentar e realizar o homem, e não explorá-lo e adoecê-lo. De olho nos lucros, o capital prioriza a diminuição dos custos de produção, redução dos postos de trabalho e o aumento da produtividade. Sabemos que hoje contingentes enormes de trabalhadores estão doentes, suportando dores terríveis e sem buscar tratamento, pressionados por suas chefias, pelas dificuldades de acesso à Previdência, ou mesmo por se sentir mais protegido escondendo a doença e também por desconhecimento dos seus direitos. Embora os dados estatísticos oficiais demonstrem um crescimento bastante acentuado das doenças causadas por LER/DORT, ainda assim, há uma grande sub-notificação das doenças relacionadas ao trabalho. Defender a SAÚDE desse trabalhador hoje significa conscientizá-lo dos riscos a que está exposto, informá-lo sobre seus direitos e, a nível das empresas, exigir a adoção efetiva de uma política séria de prevenção de doenças como as causadas pelas LER/DORT. Os diversos atores sociais envolvidos neste tema, faz que seja necessário um novo olhar, contando com a participação dos empregadores na busca de solução. É necessário que empregador planeje e desenvolva ações promotoras da melhoria da qualidade de vida do trabalhador, com a participação de seus empregados, sindicatos e profissionais da área da saúde e segurança no trabalho. PREVENÇÃO- Cito exemplo da categoria bancária, que negociou por volta de 18 meses um Programa de Prevenção e Acompanhamento sobre as LER, pela Comissão Paritária de Saúde e Condições de Trabalho, composta pela Executiva Nacional dos Bancários e pela Fenaban.O Programa contém 05 etapas: 1-Política de sensibilização: dirigida aos chefes, diretores e gerentes, com o objetivo de comprometê-los com a implantação do Programa. 2-Política de conscientização: conjunto de tarefas informativas e orientativas, visando conscientizar-se o conjunto dos trabalhadores sobre a gravidade das LER, levando-os a desenvolver atitudes prevencionistas. Nesse aspecto, o Programa contém sugestões e orientações sobre mudanças na organização do trabalho, no mobiliário e nos equipamentos, para que sejam atingidas as transformações pretendidas. 3- Política de enfrentamento às LER- O Programa define uma série de medidas práticas e objetivas para combate à incidência das LER, como sugestões para elaboração de diagnósticos precoces; encaminhamento dos lesionados ao INSS, para garantia de tratamento, de reabilitação e de respeito aos direitos previdenciários deste trabalhador. 4- Criação de um fluxograma- Para orientar como os bancos e os trabalhadores devem se conduzir para assegurar esses direitos, desde o aparecimento dos primeiros sintomas da doença à volta desse funcionário ao trabalho. 5- Avaliação- Construção de mecanismo de avaliação do Programa. O Programa deverá ser implementado por agentes multiplicadores.Estes agentes serào treinados por especialistas, para ficarem aptos a informar, orientar, monitorar e estimular o conjunto dos funcionários à adoção de atitudes prevencionistas em relação às LER. “Manter o ambiente de trabalho seguro e saudável é responsabilidade do empregador e deve contar com a colaboração dos empregados”. No Programa consta que para prevenir é preciso conhecer. Prevenção significa abordar as causas das LER na sua fonte, analisando-se os ambientes e a organização do trabalho, a fim de adotar-se medidas que possam eliminar ou reduzir a influência destes fatores sobre a saúde do trabalhador. É necessário reconhecer que essas doenças são geradas pelo trabalho e não usar de justificativas para descaracterizá-las como ocupacionais e que os fatores externos ao trabalho não podem ser considerados para sua ocorrência e sim para seu agravamento. As LER/DORT podem surgir em qualquer ramo de atividade, desde que exponham os trabalhadores a esforços repetitivos, rítmo acelerado, falta de pausas para repouso, desconforto e pressão das chefias, jornadas prolongadas, trabalho realizado em ambientes frios, ruidosos e mal ventilados, equipamentos com defeito, mobiliários inadequados, etc... As categorias mais atingidas são: digitadores, caixas de banco e de super-mercados, telefonistas, operadores de linha de montagem, embaladores, costureiras, entre outros. Depoimento de um trabalhador: “Tem pressão da chefia, tempo limitado para cumprir tarefa. Não tem tempo para descanso, a gente suporta pela grana. Torna-se palhaço para sessão: lerdos. A gente passa a ser tema de gozação dentro da sessão. Fica discriminado, não quero mais voltar”. Esta fala poderia ser de qualquer trabalhador metalúrgico, bancário, telefonista, balconista, empacotadora, etc... Há uma relação direta entre a mobilização de trabalhadores, organização de sindicatos e associações de portadores de LER/DORT, para explicar o porque da concentração em alguns setores. Há categorias profissionais, que devido a pouca organização e mobilização, acabam não aparecendo nos índices da Previdência, pelo fato desses trabalhadores desconhecerem seus direitos. FEMINILIZAÇÃO DO RISCOHá também a questão do porquê da alta incidência em mulheres, a discussão do trabalho doméstico X feminilização do risco. Os bons cargos nas empresas não envolvem só salários, mas, principalmente, poder. Para ilustrar, segue alguns exemplos de desigualdades de oportunidades para a mulher no emprego. Num jornal da grande imprensa, em, saiu o seguinte dado: O salário feminino é inferior ao masculino em todos os países do mundo.Exemplos: Tanzania/ 92%. Suécia: 89%; Colombia: 84,7%, Brasil: 76%, EUA: 75%, Japão, quase a metado do salário do homem. A discussão sexual do trabalho mostra que as mulheres estão nas tarefas mais repetitivas, fragmentadas, nas funções que mais geram doenças. Os patrões se utilizam da argumentação da dupla jornada para justificar o aparecimento de doenças ocupacionais, tentando descaracterizá-las como surgidas no trabalho. Embora as LER/DORT sejam reconhecidas como doenças do trabalho, as empresas continuam tentando negar sua existência. Em sua grande maioria, não cumprem as leis e mantêm as condições inadequadas de trabalho. Para isso, contam com a negligência do Estado, que não fiscaliza os ambientes de trabalho e nem exige o cumprimento da legislação. |