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Fatores psicossociais relacionados aos DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho)

Rosalina de J. Moura

Introdução

Como tem sido amplamente divulgado, apesar de existir há muito tempo, os casos de Dort têm alcançado níveis epidêmicos na atualidade. Este aumento na incidência dos quadros associados aos Dort entre os trabalhadores tem ocorrido dentro de um contexto sócio-econômico específico. Vivemos numa época de intensas mudanças, onde o novo se torna obsoleto rapidamente. Constantemente os trabalhadores têm que se adaptar a novas tecnologias e se atualizar para fazer frente a um mercado cada vez mais restrito e competitivo. O modelo de produção atual se caracteriza pela busca de maior produtividade, onde as empresas têm como meta a redução de seus custos como forma de aumentar seu poder de competitividade dentro de uma economia aberta e globalizada (Tractenberg, 1999). No mundo do trabalho, percebemos a diminuição crescente dos empregos formais e consequente crescimento do mercado informal de trabalho e do trabalho temporário, o que desperta insegurança no trabalhador em relação à sua capacidade e recursos para oferecer condições mínimas de subsistência a si e à sua família.

Os Dort têm se constituído num grande desafio para os diversos profissionais envolvidos com a questão. Estes têm buscado unir esforços para compreender suas formas de instalação, os diversos fatores envolvidos no seu desencadeamento e desenvolver formas adequadas de prevenção e tratamento aos portadores de Dort. Para tanto, a importância de se realizar um trabalho em equipe multiprofissional, com interação entre as diversas áreas do conhecimento tem se tornado cada vez mais evidente.

Podemos compreender o adoecimento como um processo que envolve um complexo e dinâmico interjogo entre condições somáticas, processos cognitivos e emocionais, influências ambientais e questões sociais.

Para o adoecimento do trabalhador concorrem uma série de fatores. Entre eles, os fatores psicossociais têm merecido importante atenção nos últimos anos, onde o estresse e os aspectos da organização do trabalho e têm ocupado um lugar de destaque.


O estresse

O estresse pode ser considerado uma reação de adaptação do indivíduo frente às constantes demandas diárias, para a busca de adaptação e restabelecimento da homeostase. Para esta adaptação, uma série de alterações fisiológicas, cognitivas e emocionais ocorrem. O estresse é inerente à vida, sendo necessário e importante na sua manutenção, se mantido num nível razoável. A intensidade da reação de stress depende, em grande parte, da avaliação subjetiva feita pelo indivíduo sobre a gravidade ou importância de uma dada situação. Qualquer acontecimento, mesmo os considerados positivos, geram reações de estresse. Este em si não é bom nem ruim. No entanto, quando em níveis e freqüência elevados, pode trazer sérios prejuízos à saúde e ao bem estar do indivíduo. Estresse recorrente e intenso pode levar ao adoecimento e aumentar a incidência e a severidade de alguns sintomas como angústia, irritabilidade, queda no desempenho, doenças, distração e absenteísmo, entre outros.

Estressores relacionados ao trabalho como elevada de carga de trabalho, baixa autonomia na realização das atividades, excesso de pressão, ambigüidade em relação ao futuro, chefias rígidas e autoritárias e conflitos com colegas e superiores, podem produzir respostas ao estresse que aumentam o potencial para adoecimento. Essas respostas podem ser classificadas em emocionais (como irritabilidade, insatisfação no trabalho, angustia), fisiológicas (aumento da pressão arterial, da freqüência cardíaca e da tensão muscular) e comportamentais (uso indevido de força, absenteísmo, uso abusivo de medicamentos).

Sob estresse acentuado, os trabalhadores podem se envolver em atividades sem pausas para descanso para manterem a produtividade alta, ou usar força e pressão maiores que o necessário para a realização das tarefas. Alguns estudos demonstram que esses comportamentos, associados a alterações fisiológicas como aumento da susceptibilidade das respostas neuromusculares periféricas e tensão muscular, podem contribuir para o desencadeamento de LER/DORT. (Moon, 1996).

As cobranças e exigências feitas ao trabalhador nos dias atuais são crescentes. Por outro lado, as pessoas também exigem demais delas próprias. Muitos indivíduos possuem dificuldade para perceber os próprios limites, aceitá-los e respeitá-los. Adotam um modelo de perfeição a ser alcançado, que buscam atingir a qualquer custo, não conseguindo reconhecer suas limitações e perceber quando devem parar. Essa dinâmica pessoal pode ser nociva para o indivíduo, que se percebe sempre correndo contra o tempo e assumindo mais atividades do que pode suportar, o que contribui para a elevação do estresse.


Fatores comprometedores da reabilitação do portador

O adoecimento trás uma série de alterações nas várias esferas da vida do indivíduo. Em geral, as dores e limitações decorrentes dos quadros de Dort contribuem para o desencadeamento de sintomas depressivos e de ansiedade, despertando angustia e medo diante de um futuro incerto. A partir das modificações existentes na sua vida, o indivíduo sofre um abalo em sua identidade, não se reconhecendo mais dentro dos referenciais anteriores. Na esfera do trabalho, após o adoecimento as pessoas que eram anteriormente valorizadas pela sua capacidade e desempenho freqüentemente passam a ser tratadas como um incômodo e discriminadas. O afastamento do trabalho pode gerar uma série de conflitos, insegurança e tensão no trabalhador, associado às dúvidas da possibilidade de melhora e da capacidade de manter seu emprego.

Entre as orientações realizadas pelos profissionais de saúde aos pacientes, visando seu tratamento e reabilitação, surgem questões relacionadas à necessidade de se introduzir modificações na forma como as atividades são realizadas (adequação da postura, atividades e movimentos a serem evitados, restrições de carga, diminuição do ritmo, etc.), tanto na sua vida pessoal quanto profissional. No entanto, não se tem garantia de que o paciente tenha condições de seguir as recomendações, principalmente no seu local de trabalho, onde em geral não possui autonomia para intervir.

Assim sendo, apesar de todas as orientações fornecidas e do tratamento realizado, percebe-se que muitos pacientes não obtêm a melhora esperada em seu quadro clínico. Podemos levantar algumas causas que contribuem para que isto ocorra. Entre elas, a inexistência ou escasso suporte por parte da empresa para a qual o paciente trabalha parece ser um importante fator que contribui para a manutenção ou  agravamento dos seus sintomas.

Grande parte das empresas, a despeito do adoecimento de seus trabalhadores, impõe dificuldades para a realização de modificações concretas no posto de trabalho, além de possuir acentuada resistência para analisar sua Organização do Trabalho e realizar as alterações necessárias visando o alcance de maior salubridade. Dentro de modelos rígidos de Organização do Trabalho, existe pouco espaço para diferenças e pouca flexibilidade e disponibilidade para adaptação às modificações necessárias. Este quadro contribui para que o trabalhador não consiga seguir o mínimo das orientações recebidas em seu tratamento, o que pode levar a recidivas e/ou agravamento do quadro clínico. Muitos funcionários relatam receber pressão no sentido de retomar a produção e ritmo anterior ao adoecimento, sofrem discriminação (de colegas e chefias) e são alvo de descrédito em relação às limitações e dor. Por outro lado, o próprio trabalhador pode apresentar dificuldades em aceitar as limitações impostas pelo seu adoecimento, não conseguindo negar pedidos e colocar seus limites, o que faz com que esconda seus sintomas e tente corresponder às exigências impostas. Isto pode ocorrer por uma dificuldade pessoal para lidar com pressões e enfrentar conflitos, medo de perder o emprego, ser discriminado e/ou sofrer retaliações. Neste contexto não existe reabilitação, pois as condições presentes são desfavoráveis à realização das mudanças necessárias (Moura, 2000).

Neste quadro, os superiores imediatos possuem papel importante, pois representam as políticas e ideologias da empresa. Superiores que são rígidos, autoritários, que pressionam e discriminam seus funcionários, gerando um clima de tensão acentuado, contribuem para gerar resistência do trabalhador para retornar ao trabalho e para as já citadas dificuldades no seu processo de readaptação. Prevendo as dificuldades que terão que enfrentar, sentem-se impotentes para enfrentar um ambiente que consideram hostil.

Quando o trabalhador possui respaldo por parte da empresa, percebendo mobilização desta na direção de sanar os problemas relacionados ao trabalho que se encontram na etiologia dos seus sintomas e criar condições favoráveis à sua recepção e adaptação, as chances de sentir-se mais seguro e motivado são maiores. O retorno ao trabalho e a recuperação do indivíduo ficam desta forma, facilitados, pois as condições psicossociais e organizacionais são favoráveis. O trabalhador sente que a empresa assume sua parte de responsabilidade no seu adoecimento e tratamento, o que facilita para que também assuma a sua, conseguindo mobilizar recursos internos para se recuperar e readaptar (Moura, 2000).


Conclusão

Os vários fatores e facetas dos DORT devem ser considerados, tanto na prevenção quanto no tratamento dos pacientes. As alterações no posto e nas atividades de trabalho são importantes, desde que se associe alterações em aspectos da organização do trabalho e ações para a promoção de um ambiente psicossocial favorável à recepção do trabalhador e à sua readaptação. Além disto, é importante que o trabalhador receba auxílio psicológico durante seu tratamento para que possa rever sua postura perante a situação presente, descobrir alternativas para sua vida e comprometer-se com seu processo de reabilitação, tornando-se sujeito de suas ações.

As empresas deveriam adotar programas de prevenção ou redução de estresse no local de trabalho. Palestras informativas, grupos de sensibilização para desenvolvimento de técnicas de manejo de estresse, técnicas de relaxamento, criação de locais ou atividades lúdicas, alterações no ambiente psicossocial e na organização do trabalho podem ser indicados. É importante lembrar que cada local de trabalho deve ser considerado dentro de suas particularidades para o desenvolvimento de ações efetivas. Também é importante que o foco do programa sejam os trabalhadores e o ambiente de trabalho, considerados como unidade analítica única, em vez de um conjunto de variáveis manipuláveis independentemente.


Referência bibliográfica

  1. Bonzani, Paul J.; OTR; CHT; Durham; NC; Millender, Lewis et al. Factors prolonging disability in work-related cumulative trauma disorders. J Hand Surg. 22A:30-34, 1997.

  2. Grunert, Brad.. Avaliação psicológica dos Distúrbios crônicos do membro superior in Ranney, Don. Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. São Paulo, Roca, 2000.

  3. Kilimnik, Zélia Miranda. Trabalhar em tempos de “fim dos empregos”. Psicologia Ciência e profissão, 18 (2), 34-45, 1998.

  4. Moon, S. D, Sauter, S. L.. Psychosocial Aspects of musculoskeletal disorders in office work. London: Taylor& Francis, 1996.

  5. Moura, R.J. Aspectos Psicossociais Complicadores da Reabilitação em Dort. In apostila do III Simpósio Multidisciplinar de Afecções Relacionadas ao Trabalho e às Atividades Físicas. São Paulo, 2000.

  6. Moura, R.J. Psicologia e Trabalho, in apostila do Simpósio LER/DORT – Preparando os Caminhos para a Cura.São Paulo, 1999

  7. Smith, M.J., Carayon, P. et al . Employee stress and health complaints in    jobs with and without electronic performance monitoring., Applied Ergonomics, 1992, 23, 17-27.

  8. Tractenberg, Leonel. A Complexidade das Organizações: Futuros desafios para o psicólogo frente à reestruturação competitiva. Psicologia, Ciência e Profissão, 1999, 19 (1), 14-29.

 
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