PODER
JUDICIÁRIO TRIBUNAL
DE ALÇADA
ESTADO DO
PARANÁ
INDENIZAÇÃO ACIDENTÁRIA – DIREITO COMUM – DANO MATERIAL E DANO MORAL – DOENÇA PROFISSIONAL – DIGITADOR – TENOSSINOVITE – “LESÕES POR ESFORÇOS REPETITIVOS” (LER) – CULPA DO EMPREGADOR. I – Contraindo o empregado, na função de digitador, por culpa do empregador, a doença chamada tenossinovite, é devida a indenização postulada, inclusive, no caso, pelo dano moral experimentado. II – Apelação desprovida. Vistos,
relatados e discutidos estes autos de apelação
cível nº 116315-5, de Londrina,
6ª Vara Cível, em que é apelante Banco
Bamerindus do Brasil S.A. e apelada, Célia
Akiko Yokota Tanno. Exposição 1. Célia
Akiko Yokota Tanno ajuizou ação de
indenização nº 026/97 em face de Banco
Bamerindus do Brasil S.A. perante a 6ª Vara Cível de Londrina, expondo, em
resumo, que foi empregada do réu de 1/12/81 a 12/3/96, quando dispensada sem
justa causa, tendo exercitado a função de digitadora da admissão até março/93,
tendo a partir de 1986 começado a sentir os problemas que relatou, agravados em
meados de 1993, constatando-se que na função adquiriu a doença conhecida como
tenossinovite, doença ocupacional, por culpa do réu, por força do que ficou
totalmente incapacitada para o exercício da função, postulando indenização
por dano material e dano moral. Com a citação, houve contestação (fs.
31-41), réplica (fs. 65-8), especificação de provas (fs. 71-2 e 73),
tentativa frustrada de conciliação, com saneamento (f. 79), instrução (fs.
85-8), razões finais somente pela autora (fs. 89-92) e sentença (fs. 99-106),
que julgou procedente o pedido. 1.1.
É contra esse respeitável provimento jurisdicional que se insurge o réu com o
recurso de apelação (fs. 109-19), onde expõe, em resenha, que o efeito da
pena de confissão que sofreu é relativa, com isso repisando que a jornada de
trabalho da autora era só de seis horas diárias, com os intervalos de lei, foi
afastada da função de digitação e aproveitada em outra oportunidade, ausência
de dolo ou culpa sua (empregador) e reputou indevido e excessivo o dano moral.
Com a resposta (fs. 124-31), subiram os autos a esta egrégia Corte de Justiça. Voto[1] 2. O
recurso merece conhecimento, na
medida em que estão atendidos os pressupostos
de admissibilidade recursal, assim os intrínsecos
(cabimento, legitimação e interesse em recorrer), como os extrínsecos (tempestividade – fs. 107 e 108, regularidade formal,
inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo –
f. 120). 3. O
réu não compareceu à audiência de instrução e julgamento, onde prestaria
depoimento pessoal, nada obstante intimado, por isso sendo-lhe aplicada a pena
de confissão, com o que confessou os fatos contra ele alegados (CPC, art.
342, §§ 1º e 2º). De qualquer sorte, tentando relativizar as conseqüências
dessa sua confissão, faz no recurso certas ponderações que ou não têm como
ser admitidas, ou acabam indo contra ele mesmo. 4.
Assim é que o réu-apelante diz que a jornada laboral diária da apelada era de
“apenas” seis horas, para isso buscando questionar os depoimentos colhidos
em audiência, inclusive quanto à isenção daquelas pessoas, o que é
absolutamente inadmissível, na medida em já está bem longe o instante próprio e adequado para que ele apresentasse contradita (CPC, art. 414, § 1º). 4.1.
Mas o pior é que ainda que fosse admitida essa alegação do apelante, de que a
apelada mourejava seis horas diárias,
isso só viria contra ele mesmo, na medida em que a NR 17 - Ergonomia (norma
regulamentadora nº 17 – Portaria MT 3.435/90) estabelece expressamente que
“o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite
máximo de 5 (cinco) horas (...)” (17.6.4, alínea “c” – destaquei). 5.
Quanto ao questionamento que o apelante quis fazer, a propósito da doença
tenossinovite, se foi adquirida em serviço
ou não, o que há é inovação
recursal, na medida em que a questão não foi suscitada em primeiro grau, o
que obstaculiza sua apreciação (CPC, art. 515). Afinal, como o recurso não
pode ser manejado como se fosse uma nova
demanda, já Chiovenda[2]
alertava que “no procedimento superior,
não se pode deduzir outra coisa nem mais”. 6. Não
vinga a afirmação de que a apelada só exerceu
a função até 1987, passando a desenvolver outra atividade. Tal ocorreu em
março de 1993. O documento de f. 13
deixa certo que já em 3/3/93 houve
prescrição médica no sentido de que a apelada deveria “manter-se afastada
de atividades de digitação” porque apresentava “tenossinovite de punho e
antebraço direito, com limitação funcional importante e dor, de causa
profissional (tendinite do digitador)”. Mais: a confissão deixa isso inequívoco. 7.
Ficou claro que o apelante atuou com culpa,
para dizer o mínimo: (a) fez com que
a apelada trabalhasse mais de cinco horas
diárias, que é o máximo de “tempo efetivo de trabalho de entrada de
dados” (NR 17); (b) não lha
permitiu ter os intervalos de dez minutos a cada cinqüenta trabalhados (CLT,
art. 72; NR 17, 17.6.4, “d”). E como adverte Carrion[3],
consta que o trabalho do digitador permanente é “até mais penoso que os
expressamente mencionados” no artigo 72 da CLT, o que só amplifica a culpa do
apelante. 7.1.
Nem prospera a tentativa de fazer crer que a incapacidade passou a existir
apenas relativamente. Pode ser, é
verdade, que a autora tenha ficado apenas relativamente incapaz para exercer qualquer
trabalho, pode-se supor, até com
alguma margem de razoabilidade, que ela pode exercer outras
atividades; não se sabe, objetivamente, que isso fica no campo das suposições,
com subjetividade integral. O que é certo, não se discute e é o que aqui
importa, é que para
a função de digitadora, que era a (função) exercida, a autora ficou absolutamente
incapacitada. É o quanto basta. 7.2.
O estabelecimento, na sentença, de um capital de R$500.000,00, que o apelante
deverá constituir, foi feito no fio do que estabelece o artigo 602 do Código
de Processo Civil, em que o digno juiz da causa levou em conta o tempo de duração
(até que a apelada complete 65 anos de idade), que vai durar aproximadamente trinta
anos, considerando-se que ela (apelada) tem hoje quase 35 anos de idade,
nascida que é em 25/10/63 (f. 18), com atenção, para isso, à exigência
legal de que o capital a ser constituído deve produzir renda que “assegure o
seu cabal cumprimento”, como está naquele dispositivo de lei. De mais a mais,
o apelante pura e simplesmente considerou ter havido “fixação vultosa”,
sem demonstrar, objetivamente, que valor inferior tivesse aquela suficiência.
É verdade que ao juiz é dada a faculdade de dispensar a constituição de capital: em nenhum
momento (princípio da eventualidade) o apelante desenvolveu qualquer exposição
nesse sentido, seja para requerer, seja para objetivamente justificar (a
dispensa). 8. A
propósito do dano moral, o apelante
deixou de lado as explicações da apelada e a reflexão feita na sentença.
Apanhou uma passagem da petição inicial, em que a apelada pondera que não
mais “pode carregar no colo seus próprios filhos”, isolou essa oração do contexto
e argumentou que “a questão está mais afeta ao dano físico, que o moral”. 8.1.
Deixando de lado tudo o mais, que o apelante não enfrentou, e apanhada a frase
assim de modo isolado, pode até apontar na direção pretendida pelo banco. O
que o apelante não quer olhar – nem entender quer –, é para a dor que vai até o imo da alma da apelada, como mãe, que em nenhuma circunstância pode tomar um de seus filhos no
colo, ampará-lo numa queda, consolá-lo durante um choro, protegê-lo num
(costumeiro) medo noturno... Nada de nada... E ante o pedido do filho, inda que
com os olhos cheios de lágrimas, como que lha implorando o divino colo de mãe, ela nada pode fazer... Para o banco, isso
realmente pode ser apenas um dano físico,
se muito... É compreensível que o
banco sequer faça idéia do sofrimento miserável que qual faca cega rasga o
peito e arranca os pedaços da alma dessa criatura
humana a cada vez que o fato se repete... 8.2.
Quanto ao valor, hoje de R$ 10.400,00[4],
de que o apelante se limitou a discordar, está longe de merecer qualquer redução. 9.
Passando-se as coisas desta maneira, meu voto
é no sentido de que se negue provimento
ao recurso. Decisão 10.
À face do exposto, ACORDAM os juízes integrantes da Sexta Câmara Cível do
Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar
provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. 10.1.
Participaram do julgamento, além do signatário, os Senhores Juízes Anny Mary
Kuss Serrano, Presidente com voto, e Paulo Habith. Curitiba, 25 de setembro de 1998 (data do
julgamento). Juiz
Rabello Filho RELATOR [1] Nº 189/98. [2] Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, 2. ed., trad. J. Guimarães Menegale, São Paulo: Saraiva, 1965, vol. III, p. 229 – são do original os destaques em itálico. [3] Valentin Carrion, Comentários à consolidação das leis do trabalho, 22. ed., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 118. [4] Seja: 130,00 x 80 = 10.400,00. |