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PODER    JUDICIÁRIO

TRIBUNAL    DE    ALÇADA

ESTADO   DO   PARANÁ

APELAÇÃO CÍVEL Nº 116315-5, DE LONDRINA – 6ª VARA CÍVEL

 

 

APELANTE

:

BANCO BAMERINDUS DO BRASIL S.A.

 

APELADA

:

CÉLIA AKIKO YOKOTA TANNO

 

RELATOR

:

JUIZ RABELLO FILHO

INDENIZAÇÃO ACIDENTÁRIA – DIREITO COMUM – DANO MATERIAL E DANO MORAL – DOENÇA PROFISSIONAL – DIGITADOR – TENOSSINOVITE – “LESÕES POR ESFORÇOS REPETITIVOS” (LER) – CULPA DO EMPREGADOR.

I – Contraindo o empregado, na função de digitador, por culpa do empregador, a doença chamada tenossinovite, é devida a indenização postulada, inclusive, no caso, pelo dano moral experimentado.

II – Apelação desprovida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 116315-5, de Londrina, 6ª Vara Cível, em que é apelante Banco Bamerindus do Brasil S.A. e apelada, Célia Akiko Yokota Tanno.

Exposição

1. Célia Akiko Yokota Tanno ajuizou ação de indenização nº 026/97 em face de Banco Bamerindus do Brasil S.A. perante a 6ª Vara Cível de Londrina, expondo, em resumo, que foi empregada do réu de 1/12/81 a 12/3/96, quando dispensada sem justa causa, tendo exercitado a função de digitadora da admissão até março/93, tendo a partir de 1986 começado a sentir os problemas que relatou, agravados em meados de 1993, constatando-se que na função adquiriu a doença conhecida como tenossinovite, doença ocupacional, por culpa do réu, por força do que ficou totalmente incapacitada para o exercício da função, postulando indenização por dano material e dano moral. Com a citação, houve contestação (fs. 31-41), réplica (fs. 65-8), especificação de provas (fs. 71-2 e 73), tentativa frustrada de conciliação, com saneamento (f. 79), instrução (fs. 85-8), razões finais somente pela autora (fs. 89-92) e sentença (fs. 99-106), que julgou procedente o pedido.

1.1. É contra esse respeitável provimento jurisdicional que se insurge o réu com o recurso de apelação (fs. 109-19), onde expõe, em resenha, que o efeito da pena de confissão que sofreu é relativa, com isso repisando que a jornada de trabalho da autora era só de seis horas diárias, com os intervalos de lei, foi afastada da função de digitação e aproveitada em outra oportunidade, ausência de dolo ou culpa sua (empregador) e reputou indevido e excessivo o dano moral. Com a resposta (fs. 124-31), subiram os autos a esta egrégia Corte de Justiça.

Voto[1]

2. O recurso merece conhecimento, na medida em que estão atendidos os pressupostos de admissibilidade recursal, assim os intrínsecos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer), como os extrínsecos (tempestividade – fs. 107 e 108, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo – f. 120).

3. O réu não compareceu à audiência de instrução e julgamento, onde prestaria depoimento pessoal, nada obstante intimado, por isso sendo-lhe aplicada a pena de confissão, com o que confessou os fatos contra ele alegados (CPC, art. 342, §§ 1º e 2º). De qualquer sorte, tentando relativizar as conseqüências dessa sua confissão, faz no recurso certas ponderações que ou não têm como ser admitidas, ou acabam indo contra ele mesmo.

4. Assim é que o réu-apelante diz que a jornada laboral diária da apelada era de “apenas” seis horas, para isso buscando questionar os depoimentos colhidos em audiência, inclusive quanto à isenção daquelas pessoas, o que é absolutamente inadmissível, na medida em já está bem longe o instante próprio e adequado para que ele apresentasse contradita (CPC, art. 414, § 1º).

4.1. Mas o pior é que ainda que fosse admitida essa alegação do apelante, de que a apelada mourejava seis horas diárias, isso só viria contra ele mesmo, na medida em que a NR 17 - Ergonomia (norma regulamentadora nº 17 – Portaria MT 3.435/90) estabelece expressamente que “o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas (...)” (17.6.4, alínea “c” – destaquei).

5. Quanto ao questionamento que o apelante quis fazer, a propósito da doença tenossinovite, se foi adquirida em serviço ou não, o que há é inovação recursal, na medida em que a questão não foi suscitada em primeiro grau, o que obstaculiza sua apreciação (CPC, art. 515). Afinal, como o recurso não pode ser manejado como se fosse uma nova demanda, já Chiovenda[2] alertava que “no procedimento superior, não se pode deduzir outra coisa nem mais”.

6. Não vinga a afirmação de que a apelada só exerceu a função até 1987, passando a desenvolver outra atividade. Tal ocorreu em março de 1993. O documento de f. 13 deixa certo que já em 3/3/93 houve prescrição médica no sentido de que a apelada deveria “manter-se afastada de atividades de digitação” porque apresentava “tenossinovite de punho e antebraço direito, com limitação funcional importante e dor, de causa profissional (tendinite do digitador)”. Mais: a confissão deixa isso inequívoco.

7. Ficou claro que o apelante atuou com culpa, para dizer o mínimo: (a) fez com que a apelada trabalhasse mais de cinco horas diárias, que é o máximo de “tempo efetivo de trabalho de entrada de dados” (NR 17); (b) não lha permitiu ter os intervalos de dez minutos a cada cinqüenta trabalhados (CLT, art. 72; NR 17, 17.6.4, “d”). E como adverte Carrion[3], consta que o trabalho do digitador permanente é “até mais penoso que os expressamente mencionados” no artigo 72 da CLT, o que só amplifica a culpa do apelante.

7.1. Nem prospera a tentativa de fazer crer que a incapacidade passou a existir apenas relativamente. Pode ser, é verdade, que a autora tenha ficado apenas relativamente incapaz para exercer qualquer trabalho, pode-se supor, até com alguma margem de razoabilidade, que ela pode exercer outras atividades; não se sabe, objetivamente, que isso fica no campo das suposições, com subjetividade integral. O que é certo, não se discute e é o que aqui importa,  é que para a função de digitadora, que era a (função) exercida, a autora ficou absolutamente incapacitada. É o quanto basta.

7.2. O estabelecimento, na sentença, de um capital de R$500.000,00, que o apelante deverá constituir, foi feito no fio do que estabelece o artigo 602 do Código de Processo Civil, em que o digno juiz da causa levou em conta o tempo de duração (até que a apelada complete 65 anos de idade), que vai durar aproximadamente trinta anos, considerando-se que ela (apelada) tem hoje quase 35 anos de idade, nascida que é em 25/10/63 (f. 18), com atenção, para isso, à exigência legal de que o capital a ser constituído deve produzir renda que “assegure o seu cabal cumprimento”, como está naquele dispositivo de lei. De mais a mais, o apelante pura e simplesmente considerou ter havido “fixação vultosa”, sem demonstrar, objetivamente, que valor inferior tivesse aquela suficiência. É verdade que ao juiz é dada a faculdade de dispensar a constituição de capital: em nenhum momento (princípio da eventualidade) o apelante desenvolveu qualquer exposição nesse sentido, seja para requerer, seja para objetivamente justificar (a dispensa).

8. A propósito do dano moral, o apelante deixou de lado as explicações da apelada e a reflexão feita na sentença. Apanhou uma passagem da petição inicial, em que a apelada pondera que não mais “pode carregar no colo seus próprios filhos”, isolou essa oração do contexto e argumentou que “a questão está mais afeta ao dano físico, que o moral”.

8.1. Deixando de lado tudo o mais, que o apelante não enfrentou, e apanhada a frase assim de modo isolado, pode até apontar na direção pretendida pelo banco. O que o apelante não quer olhar – nem entender quer –, é para a dor que vai até o imo da alma da apelada, como mãe, que em nenhuma circunstância pode tomar um de seus filhos no colo, ampará-lo numa queda, consolá-lo durante um choro, protegê-lo num (costumeiro) medo noturno... Nada de nada... E ante o pedido do filho, inda que com os olhos cheios de lágrimas, como que lha implorando o divino colo de mãe, ela nada pode fazer... Para o banco, isso realmente pode ser apenas um dano físico, se muito... É compreensível que o banco sequer faça idéia do sofrimento miserável que qual faca cega rasga o peito e arranca os pedaços da alma dessa criatura humana a cada vez que o fato se repete...

8.2. Quanto ao valor, hoje de R$ 10.400,00[4], de que o apelante se limitou a discordar, está longe de merecer qualquer redução.

9. Passando-se as coisas desta maneira, meu voto é no sentido de que se negue provimento ao recurso.

Decisão

10. À face do exposto, ACORDAM os juízes integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

10.1. Participaram do julgamento, além do signatário, os Senhores Juízes Anny Mary Kuss Serrano, Presidente com voto, e Paulo Habith.

Curitiba, 25 de setembro de 1998 (data do julgamento).

Juiz Rabello Filho

RELATOR


[1] Nº 189/98.

[2] Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, 2. ed., trad. J. Guimarães Menegale, São Paulo: Saraiva, 1965, vol. III, p. 229 – são do original os destaques em itálico.

[3] Valentin Carrion, Comentários à consolidação das leis do trabalho, 22. ed., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 118.

[4] Seja: 130,00 x 80 = 10.400,00.

 
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