INFÂNCIA NA CABEÇA

Grande parte do que sou devo à grande infância que tive. Ela me forjou um temperamento aberto para todos os encontros com o mundo. Nasci em 8 de abril de 1932 numa fazenda de cacau no município de Uruçuca, que já se chamou Água Preta do Mocambo, Fazenda São Roque, então pertencente a Raimundo Nascimento, onde meu pai, Oscar Moreira de Matos, exercia as funções de tropeiro e de onde saímos ele, minha mãe Gertrudes e eu com seis meses de idade para Barro Vermelho, no município de Itacaré.

O pai, com 31 anos já, iria começar uma sociedade comercial com o irmão Emílio numa venda de secos e molhados que, desfeita anos depois a sociedade, iria durar em suas mãos por 24 anos. Neste lugar, o lugar, finquei minha primeira atalaia no cristal da manhã. Lá, entre vivências e emoções do mundo rural, conheci a figura inesquecível de Adalgício Oliveira Leite, seu Leite, já retirado, que fora condutor de jagunços nas lutas pelas terras do cacau, travadas no princípio do século, e me contava histórias de deixar os olhos vidrados e a mente viajando. Árvores, animais, fontes, campos invadiam as retinas e a alma nova, os amigos meninos costuravam o manto da sensibilidade, da fraternidade e do afeto, a gente rude estendia a esteira da cordialidade, da sinceridade e do espírito solidário. Cavalgava em pêlos aromados sobre macios horizontes; colhia também ao raiar da manhã incautos saruês e saracuras em laços rústicos, inescapáveis; caçava o amarelo e azul dos gurinhos e o escuro marron dos curiós, percorrendo matas e pastos de bodoque em punho.

A serra do Jacutinga tinha, além do nome e da fumaça das queimadas, curvas que se desenhavam em azul na minha frente nas tardes de verão. Dali, de suas encostas, cavaleiro provido de arreatas, muitas vezes desci, mirando o horizonte e embaixo a miríade verde dos cacauais umbrosos. E havia chuva, muita chuva e lama nas estradas do inverno. As fímbrias da adolescência me surpreendem em Água Preta, onde fiz primeiras letras e concluí o primário. Aí é o mundo se abrindo através do colo amoroso da tia Dasdores e da solidária paciência de seu marido, o ferreiro João Ventura. Premonitória, a professora Dadá (Maria Nazareth) alvitra que serei o único da alegre turma do Grupo Escolar Carneiro Ribeiro a prosseguir nos estudos e obter diploma de faculdade, o que de fato aconteceria, não por culpa dela. Mas a adolescência ansiava por se completar. Um dia o tempo que me vigiava montou-me no sacolejar do comboio de classes arrastado por resfolegantes locomotivas de uma hoje nostálgica ferrovia, que se dizia de Ilhéus a Conquista, mas deixou-me na plataforma em dia chuvoso de uma estranha cidade. O trem-de-ferro que já me levara a Água Preta, agora me levara para Itabuna, de mudança, no momento mesmo em que estampidos ensurdecedores ocupavam literalmente as ruas, acompanhando a exaltação da humanidade brasileira pelo fim da guerra, de que eu só sabia pela obrigatoriedade dos hinos cantados na escola - o "ouviram do Ipiranga", o do "salve lindo pendão", o do "ó cisne branco, que noite de lua" e o "avante, camaradas". O Ginásio da Divina Providência me apresentou livros, autores e temas, e os colegas e amigos me fizeram descobrir o frescor da noite e a luz da madrugada.

Era noite de carnaval quando desci de um ônibus da esburacada linha da BA-2 na Ladeira da Montanha em Salvador e fui apresentado à Praça Castro Alves, ainda chamada Largo do Teatro pelos saudosistas. De pensão em pensão, fiz vestibular e consegui cinco anos depois o diploma de bacharel em Direito, na então somente Universidade da Bahia. Nesse tempo, envolvido com o pessoal da já chamada Geração Mapa, prossegui nas aspirações literárias, vislumbradas primeiro em Itabuna, onde uma comichão de sensibilidade me fez descobrir a escrita em versos, depois em Ilhéus, estimulado pelo grande poeta Sosígenes Costa que, escondido das badalações literárias, lia os seus para eu aprender e os meus para me ensinar. Formei-me numa noite de festa de que só me ficou na memória a farra no Cassino Tabaris, seguindo uma tradição universitária e disparando olhares cobiçosos para as belas louras de um balé argentino que se exibia no rinking, ao som de uma orquestra especializada em samba-canção, boleros e mambos.

Advogado, poderia ter ido para montar banca no interior, mas já tinha sido picado pelo jornalismo na traiçoeira luta vã das palavras, para ter certeza depois de que não fizera opção por um ofício, mas para abraçar uma fatalidade, em que me amarro até hoje.


A FAMÍLIA

Casado com Vera e pai de Elsinha, Mauro e Joana, Florisvaldo Mattos ainda consegue arranjar um tempinho para passar ótimos momentos com seus adoráveis netos Guilherme, Beatriz e Anaís.




CURRÍCULUM VITAE


FLORISVALDO MOREIRA DE MATTOS

Identificação

Nascimento: Ilhéus, Estado da Bahia, 8 de abril de 1932.

Filiação: Oscar Moreira de Matos e Gertrudes Ferreira de Freitas.

Profissão: Jornalista e Professor Universitário Aposentado.

Domicílio: Rua Rio de Janeiro, 364 (Edifício Palácio de Arthemis), Apt.1.201. Pituba.

CEP: 41.830-400. Salvador - Bahia.

Endereço Profissional: Av. Tancredo Neves, 1.092.. Caminho das Árvores. CEP: 41.822-900. Salvador - Bahia.

Títulos Acadêmicos

Curso de Graduação: Diploma de Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Início: 1954. Conclusão: 1958.

Curso de Pós-Graduação: Mestrado em Ciências Sociais pela UFBA.

Início: 1970. Conclusão: 1972. Dissertação: A Comunicação social na Revolução dos Alfaiates.

Curso de Especialização: Información y Documentación Española. Escuela Superior de Periodismo, Madri-Espanha, 1964.

Professor Adjunto, Nível IV, da Escola de Comunicação, Universidade Federal da Bahia. Ingresso: 1962. Aposentadoria:1994.

Chefe do Departamento de Jornalismo da FACOM-UFBA

Atividades Profissionais

Jornalista Profissional.

Jornal da Bahia: Repórter, Redator, Chefe de Reportagem, Colunista.

Diário de Notícias: Repórter, Chefe de Reportagem, Redator-Chefe.

Jornal do Brasil: Correspondente em Salvador - de 1962 a 1968. Diretor de Sucursal na Bahia - de 1968 a 1982.

A Tarde: Editor de A Tarde Cultural - a partir de 1990 (em exercício).


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