NOSSAS QUERIDAS COMPANHEIRAS
João
Ubaldo Ribeiro
Tenho um grande amigo na Bahia, mais ou menos da minha idade
e ainda em esplêndida militância, que sempre foi
um espanto, em matéria de mulher. Objeto da inveja
rancorosa de incontáveis despeitados e alvo de minha
fraternal admiração, ele rotineiramente aparecia
em minha casa de Itaparica, acompanhado de uma ou mais mulheres
de padrão incriticável, todas felicíssimas
em sua companhia. Boa-pinta ele era - e ainda é, apesar
da crueldade dos anos -, mas isso não bastava para
explicar seus feitos, ainda mais que não tinha nem
muito dinheiro nem projeção social, fatores
a que os maledicentes poderiam recorrer para desmerecer-lhe
o êxito e, por tabela, qualificar de interesseiras suas
namoradas. Enfim somados todos os seus atributos, não
parecia existir explicação satisfatória.
Algum segredo, portanto, ele havia de ter. Durante muito tempo,
isso me intrigou, mas eu ficava com cerimônia para investigar,
apesar de nossa intimidade. A curiosidade científica,
porém, acabou por se impor e, um belo dia, enquanto
a Ava Gardner que o acompanhava ia dar um mergulhinho no mar,
entre olhares suspirosos dos circunstantes, e nós filosofávamos
à sombra dos oitizeiros do Largo da Quitanda, fiz a
já inadiável pergunta.
- Eu não tenho segredo nenhum - respondeu ele.
- Não, não é possível, alguma
coisa tem de haver. Eu pensei que a loura da semana passada
era o ponto alto de sua carreira, mas essa aí... Essa
aí demonstra que, para você, nem o céu
é o limite, tem de haver alguma coisa.
- Bem, haver, há, mas não é segredo.
Já me fizeram essa pergunta não sei quantas
vezes e eu sempre conto a verdade. O problema é que
ninguém acredita, todo mundo acha que eu estou escondendo
o jogo, mas nunca escondi. É parecido com o seu problema.
Você já me disse que conta a todo mundo que aprendeu
a escrever com Monteiro Lobato e Mark Twain, mas ninguém
acredita, todo mundo acha que você tem influências
metidíssimas a besta e secretíssimas. Eu lhe
conheço há não sei quantos anos e sei
que você está dizendo a verdade, mas ninguém
acredita. É o mesmíssimo caso, ninguém
bota fé na simplicidade, eu sou muito simples.
- Eu sei, mas tem de ter algum macete, é algum macete.
- Não é macete nenhum. Quer dizer, se você
preferir, pode chamar de macete, mas para mim é uma
constatação singela. Os caras se dão
mal porque complicam, mas é simplíssimo. Eu
dei sorte em fazer essa constatação logo cedo
e ajo de acordo com ela.
- E qual é a constatação?
- É o seguinte - disse ele, com o ar estóico
de um profeta incompreendido.
- Mulher é igual a homem.
- O quê? Não, você agora está curtindo
com a minha cara.
- Está vendo? Até você não acredita.
Mas é isso mesmo que eu estou dizendo. Eu me dou bem
com as mulheres porque compreendo as mulheres e compreendo
as mulheres porque mulher é igual a homem. A grande
maioria das pessoas, mulheres e homens, foi criada para achar
que os dois são diferentes, mas a verdade está
aí, chega a ser irritante que não se veja: mulher
é igual a homem.
- Como, igual a homem?
- Igual a homem, igual a homem! Por exemplo, o que é
que a gente pensa, a maior parte do tempo vago, ou mesmo não
vago? Sacanagem, todo mundo sabe, a não ser os anormais.
Aí ensinam à gente que é só homem
que é assim, mas não é. As mulheres são
iguaizinhas, é a mesmíssima coisa, também
só pensam em sacanagem e armações para
conseguir o que querem. Muitas vezes no bom sentido, no sentido
mais lato e respeitável, mas sacanagem do mesmo jeito,
igual aos homens. Mulher é igual a homem. Mas é
tão treinada para esconder até de si mesma que
não é igual que fica presa à idéia
de que é diferente, da mesma maneira que nós.
Aí, meu compadre, quando ela encontra alguém
que ela vê que é sincero, não faz julgamentos
e ela pode confiar e se defrontar com sua própria natureza
sem grilo, fica doida de liberdade, é outro mundo que
se abre para ela.
- Eu nunca tinha pensado nisso, eu...
- Pois então pense, é só pensar e ver
que é verdade. Eu, modéstia à parte,
sou a prova viva disso. Eu sei de minha fama de ter sucesso
com as mulheres, mas não é nada misterioso,
é só isso mesmo. Eu demonstro a ela que sei
que somos iguais, ela fica aliviadíssima em se livrar
dessa cangalha que lhe botam no pescoço desde antes
de ela começar a falar e aí fica minha amicíssima,
chegadíssima, confidentíssima e, como conseqüência
natural, a maior parte acaba dando para mim, só uma
ou outra é que não dá, mas a gente não
liga, não é fundamental; se pintar, pintou.
E sem maiores compromissos, igual a nós, homens. Quem
inventou essa história de que mulher só transa
quando está apaixonada, não sei o que, foi a
eterna conspiração dos cornos que assola a humanidade,
é medo das mulheres, não tem nada que ter medo.
Mulher é igual a homem, é só isso. Não
é nada de especial, eu não tenho nenhum magnetismo
especial, não sou de se jogar fora, mas não
sou nenhum Paul Newman, é tudo uma questão de
atitude. Quer ver, experimente.
Bem, nunca experimentei, já era um pouco tarde para
estrear um novo paradigma. Mas, principalmente agora, na minha
nova condição de sexólogo, lembro sempre
dele, quando sou cumprimentado (e tenho sido muito, sem falsa
modéstia) por alguma leitora, por causa de meu último
livro, em que uma mulher se comporta como "homem"
- homem coisa nenhuma, mulher mesmo.
- Muito obrigada - diz a leitora.
- Seu livro, não sei por que, parece que me libertou
de alguma forma.
- Mulher é igual a homem - retruco eu, com o sorriso
enigmático que convém ao artista e cai bem aos
que viram a Verdade.
Fonte: O Estado de S. Paulo
|