O meu filho

 

 Os "meus" poetas  Os amigos
 os poemas do meu filho  os seus?
 os meus poemas  

 

INDICE

 

A vida e a folha   Uma Pedra Fria  
 Amigas  Não Faz Mal  
 Crepúsculo  Não (Mais Sonhos)  
 Depois Do Fim  Nas Tuas Mãos  
 Dis Aliter Visum  No Fundo  
 Estupidez Humana  Noite  
 Falhar  Oco  
 Farsa  Pseudoautoretrato  
 Longe  Sonhos  
 Na Minha Parede    


A vida e a folha
 
Olho para uma folha em branco
Sem saber o que hei-de escrever
Olho para uma vida em branco
Sem saber o que hei-de ser
Se tu me desses outra folha
Podia tentar ser um poeta
Mas outra vida não me podes dar
Portanto fica aí quieta
Não precisas de fingir
Nem de me dizeres nada
Não me dês a folha
Fica aí calada
Vou olhar para ti
E alguma coisa hei-de escrever
Mesmo que não estivesses aí
Eu conseguia-te ver
Vou pensar muito
E alguma coisa há-de sair
Resolvido o problema da folha
Ainda não me posso rir
A vida ainda está fechada
E eu não a consigo abrir
 

Amigas
 
Gosto de brincar com as palavras
Gosto que elas brinquem comigo
Que me levem e me guiem
Até onde não sei se queria ir
Gosto de brincar com as palavras
E elas também devem gostar
Sou amigo de todas as palavras
Menos de uma
Mas essa aparece pouco
Gosto de brincar com as palavras
Uma palavra não mente
Uma palavra está sempre aqui
Uma palavra não morre
Gosto de brincar com as palavras
E elas vão-me sendo fiéis
Se algum dia as palavras também fugirem
Desisto
Portanto
Enquanto os outros vão vivendo
Eu vou escrevendo

Crepúsculo
 
A luz apagou-se
E a flor murchou
E a porta fechou-se
E o céu escureceu
E o tempo esgotou-se
E os olhos choraram
E a música parou
E o sol escondeu-se
A luz apagou-se
E o sorriso desfez-se
E o céu escureceu
E a voz calou-se
E as nuvens voltaram
E as crianças cresceram
E as folhas caíram
E o poeta desistiu
A luz apagou-se
E os óculos embaciaram-se
E os pássaros poisaram
E as cores confundiram-se
E a chuva apareceu
E o barqueiro sorriu
E a fonte secou
E a inocência perdeu-se
A luz apagou-se
E o frio dominou
E o vento soprou
E a árvore caiu
E a ilusão esfumou-se
E as lágrimas escorreram
E a escuridão falou-me
E o amor morreu
A luz apagou-se
E tu foste-te embora

Depois Do Fim
 
E há-de haver um dia
Em que o sol não vai nascer
E mesmo no meio do escuro
Eu vou-te conseguir ver
E há-de haver um dia
Em que eles me vão levar
E todo o mal que me façam
Não me vai impedir de te amar
E há-de haver um dia
Em que os meus olhos se vão fechar
E mesmo sem verem nada
É a ti que te vão fixar
E há-de haver um dia
Em que a chama se vai desvanecer
Por fora apagada mas cá dentro
Por ti continuará a arder
E há-de haver um dia
Em que eu me canse de lutar
E nesse dia só queria uma coisa
Ter a luz do teu olhar

Dis Aliter Visum
 
Hoje tirei o dia
Para pensar nas coisas
Para pensar no que tenho
Para pensar no que não tenho
E não foi preciso pensar muito
Para descobrir uma coisa
 
O que tenho não quero
O que quero não tenho
 
Pensei logo nos teus olhos
E depois em tudo o resto
Pensei no que poderia ter sido
E depois no que foi
E não foi preciso pensar muito
Para descobrir uma coisa
 
O que foi não devia ter sido
O que devia ter sido não foi
 
Depois pensei na tua voz
E percebi como é diferente das outras
Reparei como gosto de te ouvir
E há tanto tempo que só ouço os outros
E não foi preciso pensar muito
Para descobrir uma coisa
 
O que ouço odeio
O que amo não ouço
 
No fim pensei outra vez em ti
E apercebi-me que só tinha pensado no que não tenho
Afinal só pensei em ti o dia todo
Afinal foi um dia igual aos outros
E no fim do dia
Descobri o que já sabia
 
Que tudo o que eu quero és tu
E que tu és a única coisa que eu não tenho

Estupidez Humana

Quando estou contigo
Ainda estou mais sozinho
Do que quando estou sozinho
Quando estou contigo
Ainda consigo ser mais inútil
Do que o inútil que normalmente sou
Quando estou contigo
Repito-me mais
Do que quando escrevo
Quando estás comigo
O teu sorriso falso
Nunca chega a ser um sorriso
Quando estás comigo
A tua mente vazia
Está noutro sítio vazio
Quando estás comigo
Nem consegues fingir
Que não estás a fingir
E mesmo assim
A única coisa que eu quero
É estar contigo


Falhar

Quantos luares já desperdiçámos?
Quantas palavras que não dissemos?
Pensa bem
Quantos por-do-sol que passaram
Quantas vezes os teus olhos não choraram
Quantos dias deixámos passar
Quantos olhares se perderam no ar
Pensa bem
Quantas lágrimas terei perdido
Quantos sorrisos podia ter tido
Quantos poemas por serem escritos
Quantos versos por serem ditos
Pensa bem
Quantos luares desperdiçámos
Pensa bem
De quem é a culpa


Farsa

Nunca quis ser
Aquilo que eles tentam
Eu não sou eles
Eles é que são os outros
Sempre tentei resistir
Àquilo que eles falam
Sou mais fraco de que eles dizem
Mas sou mais forte do que eles pensam
E mesmo tendo perdido
Consegui ganhar
Não me consegui libertar
Mas eles não me conseguiram moldar
Sou diferente
E por isso estou só
A única solução
As cinzas e o pó
Riam-se
É só o que sabem fazer
Vou acabar
E vocês não sabem quem amou
Vou acabar
Porque não sei ser como quero
E não quero ser como sou


Longe

As horas passam
E eu não lhes toco
Os dias correm
E eu não os apanho
Estou parado no meio do tempo
Estou sozinho no meio das pessoas
As pessoas que falam
E eu não ouço
As coisas que se passam
E eu não vejo
Estou sozinho no meio de tudo
Não sei o que é que existe verdadeiramente
E o que imaginei
As horas passam
Os dias correm
Foram mesmo horas?
Foram mesmo dias?
Ou apenas segundos neste vazio imenso
As pessoas que falam
As coisas que se passam
Eles falam mesmo?
Ou eles nem existem?
Ou eu nem existo?
As horas que não passam
Eu toco-lhes
Os dias que não correm
Eu apanho-os
Só ouço as pessoas
Quando elas não falam
Só vejo as coisas
Que não aconteceram
Algum dia
Ainda me hão-de explicar
Porquê


Na Minha Parede

Hoje fiz um desenho!
Quis tentar retratar
Aquilo que não tenho
Mesmo não sabendo desenhar
Quis que saísse do pincel
O que eu queria da vida
Quis pôr no papel
Mesmo que fosse só de fugida
A tinta revelou
Todo o meu desejo
A inspiração criou
O que eu queria ver e não vejo
No fim senti-me cansado
Mas mesmo sentado e ofegante
Profundamente realizado
Por ter descoberto o importante
Agora passo os dias a olhar
Para aquilo que é só meu
Aquilo que o coração quis desenhar
Um retrato teu


Não Faz Mal

Nunca ninguém percebeu
Também nunca ninguém tentou
Nunca ninguém viu
Nem nunca ninguém se esforçou
Nunca ninguém leu
E se leu não gostou
E se gostou não percebeu
Porque nunca tentou
Nunca ninguém se riu
Nunca ninguém amou
Eram todos bons actores
Mas nunca ninguém ligou
Nunca ninguém percebeu
Nunca ninguém mudou
Nunca ninguém reparou
Nunca ninguém ouviu
Nem nunca ninguém sentiu
Nunca ninguém entrou
Mesmo os que eu deixei
Nunca ninguém falou
Nem aceitou o que eu dei
Nunca ninguém chorou
Nem mesmo se interessou
Nunca ninguém andou
Para além do que eu sonhei
Nunca ninguém deu
Mesmo quem recebeu
Nunca ninguém sentiu
Tudo o que a mim me doeu
E nunca ninguém arriscou
E nunca ninguém viu
E nunca ninguém ouviu
E nunca ninguém percebeu
E é pena.


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