A PLANÍCIE DE ALÉTHEIA
Contribuição para a (re)construção teórica de uma epistemologia de síntese e para a compreensão dos fundamentos paradigmáticos do agir e do fazer comunicativos em ciência política. (Eduardo Dutra Aydos:Tese de Doutorado, UFRGS, 16/12/98)
PRÓLOGO
Chegado ao termo do processo auto-reflexivo que ora se apresenta em "A PLANÍCIE DE ALÉTHEIA", uma advertência necessária deve explicitar - como um prólogo de sua publicação - a concepção do autor sobre o que, afinal, constitui esse momento ímpar da vida acadêmica, que é a elaboração e defesa de uma Tese doutoral.
O doutorado, num passado ainda recente da nossa experiência universitária - como Livre Docência - representava, talvez menos que a conclusão de uma etapa formativa, cumprida no interior da Academia e demarcada por um somatório de créditos disciplinares e pela elaboração de um texto científico, a concessão de um privilégio de autonomia na cátedra. No sentido mais pleno dessa honraria acadêmica, se valorizava a experiência subordinada de longos anos de "assistência" ao detentor prebendário da posse sobre a disciplina a ser ensinada; e, obviamente, a capacidade de elaboração intelectual indispensável à elaboração e defesa de uma "tese", para cuja produção o bacharelado deveria contribuir com os requisitos necessários do conhecimento formal. No seu sentido mais precário, a qualificação pela experiência chegou a ser reduzida e expressa pelo conceito do "tempo de serviço" na Universidade; e a demonstração prática do domínio sobre os requisitos formais do conhecimento, substituída pela concessão do título por decreto.
Em boa hora - e no bojo de uma reforma, refletida desde o seu próprio interior, mas que obteve o ambiente favorável à sua implantação no quadro do regime autoritário de 1964 -, aboliu-se a cátedra, estendeu-se a autonomia didática a todos os docentes e adotou-se uma sistemática de qualificação acadêmica, baseada na obtenção dos graus de especialização, mestrado e doutorado [e, mais recentemente, do pós-doutorado].
Para a obtenção desses graus, genericamente, o que se passou a exigir foi o desenvolvimento de um processo formal de qualificação acadêmica - que envolve a obtenção de créditos por disciplinas e a aprovação dos respectivos trabalhos de conclusão ou teses. Pelo que se tornou possível, também, a completação de praticamente todas essas etapas de qualificação [com a possível exceção do pós-doutorado, que ainda responde a critérios distintos de seletividade e informalidade], sem que, efetivamente, seja testada a capacidade produtiva dos seus detentores nas condições reais do respectivo exercício profissional - ou seja, fora do laboratório de qualificação dos cursos de pós-graduação.
É bem provável que não exista alternativa real para o "efeito de globalização" que subjaze a essa tendência: não se pode contrariar a necessidade de qualificação massiva do setor acadêmico, que encontrou na expansão rápida e burocrática da pós-graduação o seu instrumento eficaz. Mas não parece necessário, ou até mesmo lícito, desconhecer alguns sinais de esgotamento - por esclerose prematura - desse processo recente da nossa experiência universitária.
A insistência burocrática na mensuração da qualificação acadêmica pelo número de doutores em nossas universidades atua nessa direção. Pressionado a produzir mais PhDs, o sistema de pós-graduação tende a rebaixar os requisitos para a concessão do mestrado e a abreviar o tempo formativo para a concessão do título doutoral. Como conseqüência, a própria academia ressente-se da necessidade de um novo título - que seja expressivo de algo mais que o produto asséptico da sua linha de produção formal. Foi assim que surgiu e tende a se cristalizar como um novo título acadêmico o pós-doutorado. Em breve estaremos recorrendo à necessidade de pensar o (pós)pós-doutorado, quem sabe reinventando a Livre Docência...
Não se trata, certamente, de subscrever uma visão nostálgica da Universidade e o modelo elitista do seu "passado" [como se já estivesse resolvido esse problema...], afirmando, por exemplo, que "não se formam mais doutores como antigamente...". Até porque, é importante ressaltar, o modelo formativo da velha Universidade, com certeza, estaria muito aquém das exigências do presente.
Da mesma forma, essa digressão poderia resultar sem sentido, se estivesse aqui a questionar, simplesmente, o nome atual das coisas. Se um PhD, hoje, representa pouco mais do que foi um Mestrado ontem... afinal, que importa isso? Não haveria o rótulo de mudar a essência do produto... poder-se-ia retrucar. E, assim, também, na ótica da burocracia, que o doutor seja verdadeiramente um mestre, parece não ter isso o condão de alterar a essência do resultado, quando o que de fato se trata e está em jogo é a qualificação do sistema de ensino.
Mas a precaução da experiência também ensina que, por detrás das aparências, a ordem dos fatores, como um modo de produção, pode alterar a essência dos resultados - e, sobretudo, que o tempo... - ah! esse fantasma da modernidade - é indispensável à reflexão.
Aqui, de alguma forma, a necessidade presente, do enfrentamento à crise paradigmática do cientificismo hegemônico e da extensão dos direitos da cidadania cultural, pela ampliação das oportunidades educacionais, parece situar-se aquém e, paradoxalmente, além dos procedimentos correntes na Academia.
No modo de produção cultural da Academia, seria conveniente reconhecer-se, com humildade socrática, que a Sabedoria prática pode e deve ser adquirida pelo exercício da atividade produtiva no campo intelectual, muito aquém das exigências, disciplinas e requisitos formais, que a residência oportuniza, nos graus mais elevados da educação formal [hoje o doutorado, amanhã...]. E que a sua efetiva disseminação, portanto, está a exigir um comprometimento do sistema educacional, muito além dos procedimentos desenhados para a linha de montagem, que hoje encadeia o nosso processo formativo numa sucessão, preferencialmente ininterrupta, de titulações formais.
O excesso e a carência de proteção matam por igual a criatividade e a liberdade necessárias à produção intelectual. O mais difícil é encontrar a justa medida da sua sobrevivência e desenvolvimento. A universidade é um repositário de procedimentos canônicos, destinados à parturição do conhecimento; e a sua estrutura corporativa, uma defesa e um refúgio necessário das restrições e agressões, que as forças irreflexivas do mercado e do poder, continuamente opõem à elaboração do entendimento. Inobstante, o decurso de um lapso de tempo, fora do laboratório das múltiplas "graduações", parece essencial à recuperação da imunidade orgânica aos obstáculos epistemológicos, comprometida pela assepsia destas maternidades do Saber científico. E assim também, o exercício da atividade docente ou investigativa em dedicação exclusiva, no interior das corporações acadêmicas, deveria ser compassada pela experimentação obrigatória, em tempo integral ou parcial, da prática profissional no seu exterior, para que os interesses de fora pudessem, sistematicamente, contaminar de realidade, as ingenuidades de dentro.
Sinto-me à vontade e a cavaleiro de uma biografia intelectual que me autoriza essas conclusões e me impõe a responsabilidade da sua expressão. Compareço algo tardiamente ao veredicto de uma banca doutoral. Mas não acredito que tenha perdido por esperar; nem que o processo dessa experiência singular tenha sido menos válido, sob o ponto de vista da instituição acadêmica. Ao contrário, tenho a pretensão de lhe aportar, na minha chegada, alguma coisa, talvez, aquém, mas com certeza e paradoxalmente, muito além, do que um trabalho bem feito segundo as normas técnicas e o estado da arte na disciplina científica.
Tenho para mim que a medida de um homem é a condição do seu acesso à Sabedoria e, assim, à Verdade. Por isso mesmo toda obra é reflexão, toda reflexão é biografia, e toda biografia traduz o mundo da vida... onde se insere o homem na sua medida.
Exatamente por isso, procurei amarrar no produto, submetido à banca doutoral, mais que o teste de uma hipótese, a expressão de uma visão de mundo. Daí porque considero essencial, à avaliação deste texto, a compreensão profunda do significado que ele aporta na trajetória do indivíduo, do intelectual e do cidadão que o produziu, ressaltando nisso a dialética fundamental da obra feita e da sua circunstância - do meu fazer e do meu agir comunicativos.
"A Planície de Alétheia", elabora os traços de uma intuição, que me levou à refundição de conceitos correntes na teoria social e da comunicação, na perspectiva de um modelo paradigmático do processo do conhecimento.
No intuito de testar a pertinência e consistência desse paradigma - que denominei epistemologia de síntese - procurei aplicá-lo em diferentes contexto teóricos: tanto no espaço diacrônico da história do pensamento, resgatando a concepção triádica do signo, numa sucessão de abordagens do processo do conhecimento, que remontam a Platão e à cosmovisão mitopoética da Grécia Homérica; como no espaço sincrônico da interdisciplinariedade da política e da psicologia, e do compartilhamento paradigmático entre as esferas do Saber filosófico, científico, artístico e religioso.
No contexto desta Tese, o modelo paradigmático da epistemologia de síntese: é contextualizado numa divisão dos estudos filosóficos, compatível com a enunciação do terceiro paradigma da Filosofia Primeira pela Semiótica Transcendental de APEL; oportuniza uma reflexão sobre o campo de estudos e os enfoques da ciência política, e sua interação com a psicologia social; resgata um sentido à expressão artística do grande arquétipo da corrupção do poder, na obra de SHAKESPEARE; e articula uma perspectiva para a análise comparada das convergências conceituais em três arcanas Tradições das religiões profundas.
Na articulação destes conteúdos, a imbricação dos seus dois momentos produtivos, do paradigma e da sua aplicação, como expressões bem marcadas de um fazer e de um agir comunicativos, denuncia uma transpiração de vida. Identifico nisso, o terceiro aspecto desse trabalho, digno de realce nessa introdução.
Gravataí,16 de dezembro de 1998.
|
||
PRÓLOGO e INTRODUÇÃO * - 177 kb. |
||
PARTE I - Considerações sobre a conseqüência epistemológica de um novo paradigma da Filosofia Primeira | PARTE II - Epistemologia de Síntese | Parte III - Especificações do modelo paradigmático - Estudos de epistemologia especial: ciência política, psicopatologia e religião |
1.Sobre a compreensão participativa da epistemologia em situação de sala de aula* - 312 kb | 4. Sobre a convergência teórica na formulação paradigmática da epistemologia de síntese* - 233 kb | 7. Sob o Signo de Janus... a emergência da síntese epistemológica em ciência política (P) - página html. |
2. Sobre a crise e reconstrução paradigmática na epistemologia contemporânea* - 184 kb | 5. A conformação dos saberes na síntese epistemológica* - 501 kb | 8. Síndrome de MaKBeTh - a formação da consciência moral e o paradigma da patologia do poder (P) - página html. |
3. Sobre a fundamentação paradigmática na epistemologia de síntese* - 141 kb | 6. O resgate de uma cosmovisão mitopoética na epistemologia de síntese* - 642 kb | 9. O paradigma ancestral na epistemologia da religião (P) -arquivo PDF. - 402 kb. |
7. PÓS ESCRITO: Uma referência necessária sobre o diagrama heurístico na figuração do modelo paradigmático da epistemologia de síntese* - 78 kb |
|
|
BIBLIOGRAFIA* - 37 kb | ||
* Versão revista em 26/06/2000 - No prelo, sob o título: "A PLANÍCIE DE ALÉTHEIA: Contribuição para a (re)construção teórica de uma epistemologia de síntese." Coleção Academia-Humanas, vol.nº 4 - IFCH/Editora da Universidade/UFRGS. |