Opção pela Democracia
- Leia nesta secção, uma reflexão sobre os
fundamentos epistemológicos da ciência política e a clarificação das suas
implicações no conceito da democracia. [Conteúdo do Capítulo 7 de "A Planície de
Alétheia" - Tese de Doutorado defendida por Eduardo Dutra Aydos na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em 16 de dezembro de 1999.]
SOB O SIGNO DE JANUS...
A EMERGÊNCIA DA SÍNTESE
EPISTEMOLÓGICA EM CIÊNCIA POLÍTICA
RELEVÂNCIA DOS MEIOS E
RACIONALIDADE DOS FINS: A AMBIGÜIDADE QUESTIONADA E A MORALIDADE CONSTRUÍDA NO PARADIGMA
EMERGENTE DOS ESTUDOS POLÍTICOS.
por Eduardo Dutra Aydos
- A imagem de Janus, o deus de duas faces, é a
verdadeira representação do poder: ela expressa a realidade política mais profunda.
(...)
- A idéia de que a política é por um lado uma luta, um
combate entre indivíduos e grupos, pela conquista de um poder que os vencedores utilizam
em proveito próprio e em detrimento dos vencidos e, por outro lado, ao mesmo tempo, um
esforço no sentido de realizar uma ordem social em proveito de todos, é o fundamento
essencial de nossa teoria da sociologia política. [DUVERGER, Maurice: 1966, 27/28]
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- Se há uma conclusão para a qual aponta evidentemente a
experiência humana é a de que os fins democráticos exigem métodos democráticos para a
sua concretização.(...)
- Devemos saber que os fins são de tal forma dependentes
dos meios que o único resultado final é o que se alcança hoje, amanhã, depois e
sempre na sucessão dos anos e das gerações. Somente assim podemos estar seguros de que
encaramos nossos problemas detalhadamente, a um por um, conforme eles vão surgindo, e com
todos os recursos que a inteligência coletiva, operando em ação cooperativa, possa
proporcionar. No fim, como no começo, o método democrático é tão fundamentalmente
simples e tão imensamente difícil quanto o é a construção vigorosa, persistente e
contínua, de uma via sempre nova, por onde possamos caminhar juntos. [DEWEY, John: 1953,
195-197]
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- A política tem se constituído numa área do saber científico
estigmatizada pela dificuldade de movimentar-se, com clareza e consistência, na fronteira
divisória do "ser" e do "dever ser". A concepção clássica de DUVERGER [1966 - Nota 1], sobre uma dupla face
da política, como explicitada no texto à epígrafe, formaliza e sacramenta essa
condição básica do seu afrontamento, cuja ambigüidade tem contagiado a teoria e a
prática da ciência política contemporânea.
Realistas e idealistas, ideólogos e utopistas,
bebem, assim, na mesma fonte dessa ambigüidade reconhecida, a justificação das suas
próprias razões. A mesma lógica de oposição, que estabelece a dualidade das
perspectivas - da política como dominação sobre a sociedade e da política como
integração de todos nos ideais da comunidade - acaba afirmando a neutralidade dos meios
e a intangibilidade dos fins, de sorte que a manipulação burocrática daqueles e a
inculcação autoritária destes, nivela e identifica tanto uns como outros,
maquiavelistas cínicos e fundamentalistas fanáticos, nos corporativismos anárquicos da
era que vivemos. Na sua esteira, a crise da epistemologia dualista, na academia da
ciência política contemporânea, ganha os contornos de uma opção trágica entre a
irrelevância da pesquisa e a inconseqüência do discurso [Nota 2].
Inobstante, ressalta a necessidade de uma
superação dessa condição precária. Uma vertente teórica alternativa, pragmática e
sintética, orientada ao processo comunicativo da formação de políticas - como regras
para a tomada de decisões em sociedade - buscando nisso a clarificação dos interesses,
a consistência dos procedimentos e a conseqüência da ação - tem sido um fator de
ruptura e estimulado uma reflexão crítica do paradigma dualista.
Na perspectiva da sua explicitação e
formalização, emerge o paradigma da epistemologia de síntese, como um modelo conceitual
adequado à consideração ética dos valores que se desejam ver consolidados pela
imbricação necessária da ciência política na teoria democrática, qualificando-se
dessarte a escolha dos meios que lhes são compatíveis e dos fins que lhes são
conseqüentes.
- RESUMO DESTA SECÇÃO
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Nota 1: "Essa
teoria não é aceita por todos. Uma das lacunas mas graves da sociologia política
contemporânea é a falta de uma teoria de conjunto admitida pelo conjunto de estudiosos e
que sirva de base a suas pesquisas concretas. Cada um é obrigado a preencher essa lacuna
edificando sua própria síntese. É preferível fazê-lo abertamente, confessando que se
expõe as próprias idéias, do que emprestar às mesmas uma feição geral e impessoal
que não corresponde à realidade." [DUVERGER, 1966: 27/28] Voltar
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Nota 2:
Enfrentá-la tem sido uma preocupação de alguns espíritos críticos e insatisfeitos com
o estado da arte e as respostas tradicionais da academia internacional. É o caso de
Fábio Wanderley REIS, que assim qualificou esse desafio como: "A possibilidade de
superar ou sintetizar duas formas aparentemente antagônicas de abordar o objeto da
ciência política, as quais parecem igualmente plausíveis e importantes. Limito-me a
recordar, a respeito, o contraste entre uma visão aristotélica da política, tal como
elaborada por Hannah Arendt, com seus componentes comunicacionais, libertários e
igualitários, que são retomados e depurados na concepção habermasiana do estado de
comunicação pura ou da situação ideal do discurso; e a perspectiva supostamente
"realista" a ser encontrada seja nos manuais correntes de ciência política,
onde a visão aristotélica é substituída pela ênfase no papel exercido por relações
de poder ou dominação na própria definição da política, seja em clássicos tais como
Carl Schmitt, para quem a específica distinção política, à qual é possível
referir as ações e os motivos políticos, é a distinção entre amigo e inimigo,
no conceito de amigo entrando a eventualidade de uma luta efetiva. Ao invés
da estéril confrontação entre essas concepções divergentes, a ênfase nas
inter-relações complexas entre os elementos pertinentes ao trabalho e à interação, ou
à instrumentalidade " e à comunicação, e em especial no papel
singularmente importante desempenhado pelos aspectos correspondentes à ação
estratégica, promete propiciar a conciliação entre a visão nobre e grega
da política como a esfera da comunicação entre iguais e o reconhecimento da
importância do poder nas relações políticas - importância esta que se revela não
apenas na concepção do poder como um problema no que diz respeito à sua distribuição
entre sujeitos que agem, mas também no que concerne ao poder concebido como instrumento
para a realização conjunta de objetivos compartilhados que resultam do processo mesmo de
comunicação. Como é bastante claro, temos aqui igualmente a promessa de alcançar
eventualmente a conciliação entre desígnios prático-normativos de um lado, e
realismo e rigor analíticos, de outro - e fato que os dois lados
de instrumentalidade e comunicação estejam inscritos e coexistam dialeticamente, como
vimos com Piaget, na natureza operacional da própria atividade intelectual madura é o
fundamento decisivo de tal esperança." [REIS, 1982:193/194] Voltar
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