Um perfil psicológico de Salazar 

Pobre, filho de pobres

Quem era Salazar ? 
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POBRE, FILHO DE POBRES

SalazarQuem vier das bandas da Mealhada, subir ao Luso e transpuser a serra do Buçaco, ou quem ascender desde Penacova por entre o Buçaco e a serra de S. Pedro Dias, penetra num mundo diferente dos campos dulçorosos de Coimbra. Há todo um conjunto de caracteres geográficos mais ásperos, mantendo entre si conexões novas, a definir um mundo próprio, a condicionar existência específica da personalidade humana. Entra-se no planalto da Beira Central, terra acidentada mas fértil, a estender-se entre os perfis distantes das serras do Caramulo e da Estrela, esta prolongada nos montes do Colcurinho e nas cordilheiras do Açor e da Lousã. À beira dos caminhos que riscam as lombas, ainda há poucas dezenas de anos a exibir, despidas, rotundidas quase obscenas, alongam-se os pinheirais, já hoje à compita com a praga dos eucaliptos. A espaços, rompem o mato agressividades de granito que se multiplicam nas ladeiras fundas cavadas pelos rios. Nas várzeas e junto às povoações, o olivedo, os milharais, as vinhas e as hortas. Deixa-se para trás Mortágua, trinta quilómetros quadrados numa baixa, donde se sai pela caminho do Vale da Fonte, do Chão da Vento e da Portela de Valongo. Descemos até Breda, atravessamos o rio, a esvurmar entre fragoeiras sob as vistas do Alto da Índia, subimos a ladeira da Criz, passamos à ilharga do Sardão e da Cabrita, detemo-nos na vista soberba das Pedras Negras e entramos na zona planalta, pelos serranos chamada «Terra Chã», a que se desentranha em mimos, cercada a uma banda pelas serras da Caramulo da Gralheira, de S. Macário do Montejunto, de Leomil e da Lapa, e a outra pelos despenhadeiros do Alva e pelas asperezas da Estrela.

Fronteira à vila de Santa Comba, do outro lado do rio Dão, a freguesia do Vimieiro, ramalhete de vários povoados, o último dos quais, o Bairro da Estação data dos tempos da construção do caminho de ferro da Beira Alta, que foi inaugurado em 1882. Nesse Bairro da Estação ou Bairro Novo houve em tempos duas pousadas: a da Ambrósia, muito conhecida dos caçadores e por Aquilino Ribeiro citada como especialista em qualquer cozinhado de coelho, e a de António de Oliveira, despretenciosa, modesta, mas de freguesia mais escolhida. Naqueles anos em que o tráfego por automóvel ainda vinha longe, a Estação de Santa Comba era o ponto de partida das diligências que serviam as gentes da região, dias inteiros de viagem com mudas de bestas no caminho, até longe, aos povos das serras.

A terra é saudável e fértil. Duzentos metros de altitude, não prejudicados pelos nevoeiros que por vezes baixam sobre o rio. Boa água. As couves, os feijões, o milho, que dá farinha para a broa e folhelho para o gado, as poucas ovelhas que todas as famílias recolhiam na loja, bem como o bacorito no cortelho, asseguravam alimentação que bondava, sem falar nos peixes do rio, naqueles tempos em que as águas fluviais não andavam poluídas

Vivia o povo da cultura da terra. Muitos, da serração da madeira, que não se intensificara ainda a colheita da rezina dos pinheiros. Os mais ambiciosos e aventureiros metiam-se a caminho para terras de imigração. O Congo Belga foi chamadoiro de muitos braços activos da região, ainda hoje assinalados pelas casas ajanotadas que ao depois mandavam construir.

O povo era trabalhador e pacífico. As autoridades não tinham grandes trabalhos, nem o senhor prior razões de queixa dos seus paroquianos.

Foi neste meio que nasceu em 28 de Abril de 1889 um pequeno, filho de António de Oliveira, feitor da casa dos Perestrelos, e de sua mulher Maria do Resgate. O casal, matrimoniado em 4 de Maio de 1881, já havia quatro filhas: Marta, nascida em 1882, Elisa, em 1883, Maria Leopoldina, em 1885, e Laura em 1886.

Filho varão de um casal já na casa dos quarenta, e nascido após quatro meninas, é de prever que tivesse sido o enlevo da família, o que não obstaria certamente a que tivesse, nas horas que a escola lhe deixava livres, de ajudar os pais nos trabalhos do campo. Essa infância vivida em plena natureza marcara-o para toda a vida. Não deixaria ele de a recordar sempre durante o longo encarceramento que foi a sua missão de governante.

Aos dez anos fez o exame de 2.° grau da instrução primária. Um ano depois (o pequeno está longe de ser robusto, mas é esperto, seria uma pena não o mandar seguir os estudos!...) matricularam-no no seminário de Viseu. Aí estudou até findar com distinção, em 1908, o terceiro ano do curso de Teologia. Já recebera ordens menores mas não sentia vocação para o sacerdócio. Resolveu deixar o seminário. Empregou-se então em Viseu, no Colégio da Via Sacra, dirigido pelo padre António Barreiros. Ali deu lições durante dois anos, enquanto repetia no liceu os exames do curso secundário, que terminou em Julho de 1910 com 17 valores. Matriculou-se imediatamente na Universidade de Coimbra, e ali se formou em Direito, tendo frequentado também na Faculdade de Letras as cadeiras de Língua e Literatura Inglesa e Curso Prático de Inglês. É de registar este ponto porquanto, naquele tempo, tais cadeiras eram das de menor frequência nos cursos superiores de Letras. Atraía-o certamente o interesse pela educação inglesa, que lhe parecia em certos aspectos modelar.


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1 de Setembro de 1997
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