DiagnósticoPrimeira etapa:À semelhança da condução de investigação diagnóstica de qualquer doença, a investigação de doença do trabalho deve obedecer uma seqüência que abrange: a) história clínica detalhada (história da moléstia atual) b) investigação dos diversos aparelhos c) comportamentos e hábitos relevantes h) exames complementares, se necessário Destacamos a anamnese ocupacional como elemento fundamental para orientar a investigação diagnóstica das doenças ocupacionais em geral e das LER/DORT, em especial. O ponto de partida, portanto, é a verificação da existência da exposição que possa ser considerada propiciadora da ocorrência de LER/DORT. A busca caminha da exposição à existência ou não do distúrbio de saúde, tendo em vista a inespecificidade dos quadros clínicos apresentados, quando comparados com quadros não ocupacionais. Investigação de um caso: ProcedimentosDetalharemos a seguir, a partir de um paciente com sintomas do sistema músculo-esquelético, a investigação dos fatores causais. a) História da moléstia atual· Queixas, sintomas e sinais mais comuns entre os trabalhadores com LER/DORT: dor, localizada, referida ou generalizada, desconforto, fadiga e sensação de peso, formigamento, dormência, sensação de diminuição de força, edema e enrijecimento articular, choque, falta de firmeza nas mãos, sudorese excessiva, alodínea (sensação de dor como resposta a estímulos não nocivos em pele normal). Queixas podem ser encontradas em diferentes graus de severidade. Dependendo da situação empregatícia, financeira, de suporte familiar/ social/ da empresa, relação com a perícia do órgão segurador, evolução do quadro clínico, resultados terapêuticos, etc, as repercussões da esfera psíquica podem ser muito importantes, interferindo na evolução e recuperação. Em geral, angústia, medo e depressão são quadros comuns. · Características dos sintomas e sinais: tempo de duração, localização, intensidade, tipo ou padrão, momentos e formas de instalação, fatores de melhora e piora, variações no tempo. · Evolução do quadro clínico: alterações dos sintomas desde o início do quadro clínico, fatores de melhora e piora, respostas aos diferentes recursos terapêuticos · Tratamento instituído até o momento: técnicas e maneiras que foram aplicadas, tempo de tratamento, respostas · Procedimentos adotados por parte da empresa: houve afastamento? foi emitida CAT? tentativa de reabilitação? houve demissão? · É importante ressaltar que a mudança de função deve seguir os procedimentos previdenciários previstos em lei e a reabilitação deve ser homologada/registrada junto ao INSS. · Procedimentos adotados pelo INSS: lembrar que esses procedimentos só são válidos para os trabalhadores do mercado formal, com registro profissional e vínculo empregatício regido pela CLT. · Importante atentar para o fato de que a prerrogativa da perícia médica do INSS é a caracterização da incapacidade com vistas à percepção de benefício e não a caracterização de doença ocupacional ou descaracterização deste diagnóstico formulado por outras autoridades médicas. Em caso de discordância de diagnóstico, cabe discussão técnica entre os profissionais envolvidos. O registro de casos de LER/DORT é uma das ações básicas do sistema de saúde que independe do registro previdenciário. · Cabe ao médico que assiste o paciente obter informações sobre suas condições de trabalho, emitindo parecer sobre o quadro deste e a possibilidade ou não de desenvolver as atividades habituais. É importante salientar que a avaliação de incapacidade necessariamente deve considerar as condições reais nas quais o trabalhador está inserido. b) Interrogatório sobre diversos aparelhos· Pergunta: outros sintomas ou doenças mencionados podem ter influência na determinação e/ou agravamento do caso? · Lembremos de algumas ocorrências que podem ter relação com o problema em questão: trauma, doenças reumáticas, ooforectomia, diabetes mellitus, distúrbios da tireóide e outros distúrbios hormonais, gravidez, menopausa. A presença de doenças sistêmicas ou outras não exclui o diagnóstico de LER/DORT, uma vez que pode haver a interação de quadros. No entanto, é fundamental a presença da exposição no trabalho na caracterização do componente ocupacional. Não esquecer que um paciente pode ter mais de um problema ao mesmo tempo. · Do ponto de vista legal previdenciário, havendo relação com o trabalho identificada através da análise da história ocupacional e caracterização da exposição aos fatores de risco assinalados, a doença é considerada ocupacional, mesmo que haja fatores concomitantes não relacionados à atividade laboral. c) Comportamentos e hábitos relevantes· Hábitos que possam agravar sintomas do sistema músculo-esquelético devem ser objeto de investigação: uso excessivo de computador em casa, lavagem manual ou ato de passar grande quantidade de roupas, limpeza manual de vidros e azulejos, ato de tricotar, etc. · Estudo realizado por SOUZA e col. (1999) evidencia a pequena relevância que as tarefas domésticas tem na ocorrência de LER/DORT. Por outro lado, uma vasta literatura associa a ocorrência de doenças musculoesqueléticas com a exposição a fatores de risco no trabalho. d) Antecedentes pessoais· História de traumas, fraturas e outros quadros mórbidos que possam ter desencadeado e/ou agravado processos de dor crônica. e) Antecedentes familiares· Existência de familiares co-sanguíneos com história de diabetes e outros distúrbios hormonais, “reumatismos” , deve merecer especial atenção. f) História ocupacional· Tão fundamental quanto fazer uma boa história clínica é perguntar detalhadamente como e onde o paciente trabalha, tentando ter um retrato dinâmico de sua rotina laboral: duração da jornada de trabalho, existência, frequência e duração de pausas, forças exercidas, execução e freqüência de movimentos repetitivos, identificação de musculatura e segmentos do corpo mais utilizados, existência de sobrecarga estática, formas de pressão de chefias, exigência de produtividade, existência de prêmio por produção, falta de flexibilidade de tempo, mudanças no ritmo de trabalho ou na organização do trabalho, existência de ambiente estressante, relações com chefias e colegas, insatisfações ou falta de reconhecimento profissional, sensação de perda de qualificação profissional. · Pesquisar existência de equipamentos e instrumentos de trabalho que não permitam boa visibilidade e fácil acesso. · Tentar identificar existência de outros fatores de risco, como temperatura ambiental, iluminação e ruído inadequados. · Não se deve esquecer de empregos anteriores e suas características. Entende-se por emprego qualquer atividade laborativa sistemática, independentemente da existência de vínculo empregatício. g) Exame físicoPrincipais quadros clínicos, que devem ser pesquisados, dependendo das queixas do paciente (ASSUNÇÃO, 1995):
É fundamental lembrar que nas LER/DORT podemos encontrar um ou mais quadros clínicos, juntamente com quadros dolorosos vagos e sem território definido. O exame clínico deve dar ênfase aos sistemas musculoesquelético e neurológico relacionados às queixas do paciente. h) Exames complementares· Não se devem solicitar exames complementares indiscriminadamente. Como o próprio nome diz, eles são complementares a uma análise prévia do caso e devem ser pedidos após a primeira formulação de suspeita diagnóstica, compatibilizando cada solicitação com esta formulação. · Antes de solicitá-los, o médico deve fazer as seguintes perguntas a si mesmo: a) qual é a minha hipótese diagnóstica inicial? b) há elementos da história do paciente ou do exame físico ou de exames anteriores que justificam a solicitação dos exames? c) qual é o objetivo dos exames que estou solicitando? d) os exames serão realizados por profissional ou serviço qualificado? e) os equipamentos a serem utilizados para a realização dos exames estão dentro das especificações preconizadas? · Após a realização dos exames, o médico deve se perguntar: a) os achados descritos nos exames são compatíveis com os achados da história clínica e do exame físico? b) as alterações encontradas explicam todo o quadro clínico do paciente? c) no caso dos exames não terem detectado alterações, qual é o significado? o exame normal descarta a minha hipótese diagnóstica inicial? · É fundamental lembrar que exames complementares, quando corretamente indicados e bem feitos, podem auxiliar no diagnóstico clínico, porém não no estabelecimento do nexo causal entre o quadro clínico e o trabalho. Este nexo pressupõe avaliação da exposição ocupacional, conforme já referido. i) Investigação do ambiente/posto de trabalhoO diagnóstico de LER/DORT deve, sempre que possível, contar com a investigação do ambiente ou posto de trabalho. Às informações fornecidas pelo paciente, devem se associar dados obtidos pela equipe do serviço de saúde, inclusive aqueles dados decorrentes de inspeção no ambiente de trabalho, sobretudo, em casos mais atípicos quanto à relação da ocupação com a LER/DORT. A investigação das condições de trabalho deve ser realizada por profissional ou equipe técnica imbuída do diagnóstico clínico-ocupacional, não sendo impedimento para tal a ausência de especialista em ergonomia na equipe. Para os casos mais típicos de relação entre LER/DORT e ocupação,
poder-se-à ter uma boa idéia das condições de trabalho através de história
cuidadosa, simulação de gestos e movimentos por parte do paciente. Informações adicionais devem ser obtidas do responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). É responsabilidade do empregador disponibilizar as informações sobre as condições de trabalho. · Em avaliação do local/ posto de trabalho observar-se-à: meio ambiente, aspectos técnicos, aspectos organizacionais: mobiliário, instrumentos de trabalho, organização do trabalho, condições ambientais, “lay-out” do posto de trabalho. · É importante averiguar, entre outros aspectos: possibilidades de mudança postural pelo trabalhador, variedade e diversidade de funções, autonomia e discernimento do trabalhador, pausas regulares ou possibilidade de pausa entre um ciclo e outro, possibilidade fácil de interromper o trabalho para necessidades fisiológicas. Além destes, alguns aspectos já assinalados como fatores de risco devem ser observados: existência de repetitividade, fragmentação da tarefa, pressão de tempo, incentivos à produtividade, ritmo de trabalho induzido por esteira de produção ou equivalente, possibilidade de aumento do ritmo da produção e/ou da esteira pela supervisão, horas-extras ou dobras de turno, existência de sazonalidade da produção que implique maior concentração de atividades como consequente sobrecarga em épocas do mês ou do ano; número de pessoas insuficiente para produção exigida. · Quanto aos aspectos mais ligados à biomecânica, observar: qualidade da cadeira; características de mesa de trabalho com computador, de caixa registradora ou de caixa de banco; uso de ferramentas manuais vibratórias; situações de trabalho que impliquem manutenção de braços suspensos, sem apoio; posição do tronco (ereto? apoiado?); presença de trabalho sentado em balcão ou bancadas feitas para o trabalho em pé. Realizada a inspeção, o conjunto de informações obtido deve permitir a adequada definição da exposição à sobrecarga no trabalho, orientando melhor a investigação diagnóstica.
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