Posição contra os MaKBeTh
A teoria da construção da consciência moral de KOHLBERG no paradigma epistemológico O paradigma da epistemologia de síntese, como o explicitamos, remonta a PLATÃO e corrobora em PIAGET uma abordagem construtivista do processo do conhecimento. Nessa perspectiva, demarcamos o paralelismo conceitual, entre as quatro funções estruturantes do processo cognitivo - assimilação, acomodação, significação e operacionalização [PIAGET, 1990] - e as quatro divisões estruturais do Saber - respectivamente, RELIGIÃO, CIÊNCIA, FILOSOFIA e ARTE. Referem, essas divisões, ao processo do conhecimento enquanto tal, como estrutura formal de um significado a ser preenchido, substantivamente por outros processos da mente.É exatamente aqui, como um complemento necessário dessa predisposição ao Saber pela consciência, que acede aos diferentes estágios ou, mesmo, capacita-se aos diferentes processos, que integram o pleno exercício da sua capacidade estrutural-cognitiva, que a nossa compreensão da dialética sígnica, situa o papel desempenhado pelos interesses epistemológicos no processo do conhecimento.
Os interesses epistemológicos, dessarte, designam processos do entendimento, que não se constituem em finalidade intrínseca de si mesmos - como as funções-estruturantes antes mencionadas - mas que apontam, teleologicamente, para os pressupostos necessários da realização da finalidade do signo que denotam. Referem, substantivamente, o conteúdo do signo e não a capacidade de significar; estão para as funções estruturantes do processo do conhecimento, assim como o agir comunicativo está para o fazer comunicativo. Daí porque designá-las propriamente como funções sígnicas do processo do entendimento, derivando a sua compreensão paradigmática do conteúdo expresso pelos processos subtriádicos, que constituem e substanciam o influxo dos interesses epistemológicos na interação sígnica.
A falta de clareza sobre essa distinção, entre as funções estruturantes e as funções sígnicas da mente, tem dificultado um diálogo transdisciplinar mais fecundo entre psicologia e a pedagogia, entre a política e a moral.
Há um certo partis-pris estruturante na psicologia e na política [partilhado, exemplarmente, por PIAGET e, no seu limite, pela abordagem jurídico-formal do constitucionalismo kelseniano, ou pelo institucionalismo de HUNTINGTON] que, ao explicitar as condições necessárias da estrutura cognitiva ou da constituição política [formal ou institucional], pretendem derivar delas, imediata e linearmente, as respectivas praxiologias - seja como pedagogia, seja como projetos políticos. Há, também, um certo partis-pris substantivista do lado da pedagogia e da moral que, ao identificar um conteúdo crítico da experiência, parecem pretender derivar dele, por um passe de mágica, a sua própria e imanente praxiologia - seja como teoria do aprendizado ou como princípio de mobilização política.
De alguma forma, a passagem problemática de PIAGET a Paulo FREIRE, de HUNTINGTON aos teólogos da libertação, é uma questão de fundo a desafiar a consistência do paradigma sintético. Trata-se de oferecer conteúdo substantivo a uma teoria do desenvolvimento das estruturas mentais, sem que isso signifique, simplesmente, a sua "ideologização". Trata-se de buscar sustentação de base estrutural a uma teoria da emancipação, sem que isso signifique, simplesmente, a sua "desideologização". Felizmente, alguns desenvolvimentos recentes da filosofia política [RAWLS] e educacional [KOHLBERG] oferecem uma base promissora ao afrontamento dessa questão. Nos limites deste texto pretendemos explorar a convergência da teoria do desenvolvimento da consciência moral de KOHLBERG [1981] no modelo paradigmático da ciência política.
O que, efetivamente, KOHLBERG clarifica, na sua obra magistral [Essays on Moral Development, 1981], é a formulação de uma abordagem construtivista, como base para o enquadramento praxiológico de uma função sígnica: a formação da consciência moral. E com isso consagra a distinção e complementariedade do processo da cognição e do conteúdo da consciência, que vem caracterizada no modelo paradigmático pela distinção entre a estrutura do núcleo sígnico [dupla-tríade] do processo do conhecimento, e o enfoque dos respectivos interesses epistemológicos. Com isso, torna-se possível uma formalização da correspondência conceitual entre os níveis e estágios do desenvolvimento da consciência moral em KOHLBERG e os interesses epistemológicos e seus impactos nos campos de estruturação do saber, no modelo sintético. (Tabela 1 neste texto).
Tabela 1 - Configuração temática da Ciência Política: correspondência na teoria do desenvolvimento da consciência moral.
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Níveis da auto-reflexão comunicativa [correspondência aos interesses epistemológicos] |
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NÍVEL PÓS-CONVENCIONAL - "um claro esforço para definir valores e princípios que têm aplicação à parte da autoridade dos grupos ou pessoas que sustentam esses princípios e à parte da própria identificação dos indivíduos com esses grupos" [KOHLBERG, 1981:18] | |
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ESTÁGIO 4:
Manutenção da Ordem Social - "orientação no sentido da auto-
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NÍVEL CONVENCIONAL - "a manutenção das expectativas da família individual, do grupo, ou nação, é percebida como válida por seu próprio direito, independente das suas imediatas e óbvias conseqüências" [KOHLBERG, 1981:18] | ||
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LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA [teorias normativas de decisão] | ESTÁGIO 2 - Orientação Instrumental Relativista: "A ação correta con- siste naquela que instrumentalmente satisfaz as neces- sidades de al- guém, e ocasio- nalmente as ne- cessidades de outros. As rela- ções humanas são vistas em termos semelhan- tes àquelas do mercado." KOHL- BERG, 1981:17] | NÍVEL PRÉ-CONVENCIONAL: a ação responde "a regras culturais e rótulos do bem e do mal, do certo e do errado, mas interpreta esses rótulos em termos das conseqüências físicas ou hedonísticas da ação (punição, recompensa, troca de favores) ou em termos do poder de quem enuncia as regras e rótulos". [KOHLBERG, 1981:17] |
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TEORIA COMPARADA [hermenêutica dos regimes e das instituições políticas] | ESTÁGIO 1 - Obediência e Punição: "As conseqüências físicas da ação determinam sua bondade ou mal- dade a despeito do sentido huma- no ou valor des- sas conseqüên- cias. evitar a pu- nição e uma acrí- tica submissão ao poder tem valida- de por seu próprio direito". [KOHL- BERG, 1981:17] |
Nessa perspectiva, GOVERNABILIDADE, CREDIBILIDADE e RACIONALIDADE - e seus impactos subtriádicos - são também construções sucessivas, a designar etapas no processo do desenvolvimento político. [E assim, também, se clarifica a perspectiva construtivista na epistemologia de síntese quando RECONSTRUÇÃO TEÓRICA, COMPREENSÃO PARTICIPATIVA e FUNDAMENTAÇÃO TRANSCENDENTAL constituem, igualmente, etapas no processo do conhecimento.]
De fato, alguma forma de INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONFLITO e a respectiva implicação na DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS, é uma condição já dada do processo político; certamente anterior, à CONFORMAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO; essa que se constitui, a sua vez, em condição para uma efetiva e harmônica REGULAÇÃO e EMANCIPAÇÃO políticas.
O importante, diferencial e decisivo, no entanto, nesta abordagem, relativamente ao construtivismo aplicado às necessidades estruturais do signo, da mente ou da sociedade, é que, como não se tratam aqui de funções estruturantes, mas sim de funções sígnicas, o conteúdo substantivo do que foi construído na ultrapassagem de cada etapa, influi também substantivamente no conteúdo de realização possível que ocorre na etapa seguinte.
Essa distinção fica mais clara quando se confrontam os problemas do aprendizado enquanto cognição, com os problemas da educação enquanto formação de consciência. Relativamente aos processos [eventualmente estágios] piagetianos, o que ocorre, quando não são ultrapassados, são défices de aprendizagem - "doenças" do processo cognitivo, cujos impactos representam bloqueios ao desenvolvimento da estrutura cognitiva nos níveis subsequentes. Neste sentido, défices de assimilação, na teoria piagetiana, funcionam como obstáculos à acomodação; e assim sucessivamente nos níveis superiores de formação das estruturas mentais.
Essa concepção é mais claramente visualizada na teoria do desenvolvimento da personalidade de TURNER, onde uma taxionomia das psicopatologias emerge das dificuldades no enfrentamento dos desafios propostos pelos quatro estágios que visualiza, na elaboração pessoal da relação triádica "EU-OBJETO-TU": arcaísmo, simbiose, diferenciação e consolidação. Défices emocionais em cada um desses estágios, constituem uma taxionomia das doenças mentais, sinalizando respectivamente: o autismo, a paranóia, a depressão e a esquizofrenia.
Da mesma forma, ao nível dos sistemas políticos, aos desafios especificados pela divisão estrutural do saber [como PREVENÇÃO DA TIRANIA, IMPLEMENTAÇÃO DA ESCOLHA, CONSTRUÇÃO DA SOBERANIA e ENGENHARIA DO CONSENSO], à incapacidade de enfrentá-los satisfatoriamente correspondem défices de realização política. A estes podemos caracterizar, respectivamente, como DÉFICE DE AUTONOMIA, cuja patologia, no seu limite, é a DITADURA; DÉFICE DE PRODUTIVIDADE, cuja patologia é a MISÉRIA; DÉFICE DE RESPONSABILIDADE, cuja patologia é a IMPUNIDADE; e DÉFICE DE IDENTIDADE, cuja patologia é o CINISMO Nota 2.
Na saga dessas deficiências da estrutura política, toda uma sintomatologia pode ser construída, da qual daremos, apenas, alguma indicação, vinculando: à DITADURA, os vícios políticos da intolerância e da apatia; à MISÉRIA, os vícios da exclusão e da repressão; à IMPUNIDADE, os vícios da corrupção e da frustração; e ao CINISMO, os vícios do individualismo e da insegurança.
São amplas e profundas as implicações dessa abordagem das funções estruturantes da vida política. Como, também, o são as implicações correlatas das teorias de PIAGET e TURNER. Uma das questões, ainda intrincadas, diz respeito à efetiva sequencialidade dessas etapas, e assim à cumulatividade dos seus desafios; outra, refere à medida em que as deficiências na sua ultrapassagem possam ser quantitativamente flexibilizadas. Sob o influxo do inatismo de CHOMSKY, parece hoje relevante, flexibilizar-se a hipótese piagetiana da sequencialidade rígida e da ultrapassagem qualitativa das etapas do processo cognitivo [PENNA,1986]. Torna-se, assim, paradoxalmente, mais plausível a sua extensão aos processos estruturais da política onde, efetivamente, as questões da ditadura, da miséria, da impunidade e do cinismo, admitem configurações quantitativamente diferenciadas. Não se pretende, no entanto, nos limites deste texto, adentrar essa controvérsia, bastando sinalizá-la para investigações ulteriores, já no precesso de consolidação do paradigma sintético. [A Tabela 2, a seguir, formaliza essa análise das funções estruturantes do sistema político, e da sua correspondência na teoria da personalidade].
Tabela 2 - Divisão Estrutural do Saber na Epistemologia da Ciência Política, identificando os quatro grandes défices de realização política e suas correspondências na teoria dos estágios do desenvolvimento da personalidade [TURNER]
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A implicação e a proposição básica da nossa abordagem, demarca a possibilidade de que as deficiências no enfrentamento destes desafios funcionais, não impliquem défices, e também não impliquem em bloqueios ao processo de formação de consciência, ou de institucionalização política; mas que venham a implicar na atualização desses processos com sinais trocados, ou em direções divergentes.
Até lá não chegou KOHLBERG, cuja teoria do desenvolvimento moral não contempla a hipótese da sua regressividade ou da multifinalidade dos respectivos estádios, porquanto reserva para os seus "estádios" do desenvolvimento da consciência moral, o suposto da seqüencialidade condicionada [o acesso a um nível superior implica a adoção do ponto de vista previsto no nível inferior - ou seja, a realização do conteúdo substantivo no estágio anterior] e de uma universalidade do respectivo conteúdo moral, que lhes conferem a característica iniludível de uma perspectiva de mão única para a formação e desenvolvimento de consciência:
"The concept of stages just described implies something more than age trends. First, stages imply invariant sequence. (...) Second, stages define "structured wholes," total ways of thinking, not attitudes toward particular situations. (...) Third, a stage concept implies universality of sequence under varying cultural conditions." [KOHLBERG, 1981:120-122]
O conceito de "regressão" parece, portanto, não caber na teoria do desenvolvimento de KOHLBERG, como também parece, não existir nela espaço para a idéia de um desenvolvimento divergente - seja este visualizado, pelo conflito de padrões alternativos de conduta num mesmo estágio, ou por um processo cumulativo de desvios ou patologias mentais ou sociais, correspondendo a vias oblíquas de formação de consciência.
Tais questionamentos, agregam perplexidade no esforço de derivar da teoria kohlbergiana uma praxiologia da educação moral. Ademais, para o politicólogo militante, que testemunhou e reflete sobre níveis de complexidade e organização crescentes da patologia individual e coletiva na política, a inflexibilidade e a unidirecionalidade, explicitamente assumidas da teoria do desenvolvimento de KOHLBERG, não satisfazem as exigências de uma compreensão totalizante dos processos de formação da consciência moral.
Inobstante o importante avanço, representado pela formalização de uma teoria contemporânea, em bases empiricamente sustentáveis, que aponta para uma efetiva maiêutica da consciência moral, corre-se o risco de esquecer, na formulação kohlbergiana, que a tarefa do filósofo, em sua perscrutação do saber, tem os seus lados branco e negro. Afinal, não diríamos, com PLATÃO: "que as almas melhor dotadas se tornam particularmente más quando recebem má educação?" [1964: 179]
O construto teórico de KOHLBERG representa um ponto de partida, apenas, para uma reflexão capaz de identificar, em seus níveis de complexidade e de responsividade a valores, os processos alternativos de uma teoria dinâmica da formação da personalidade individual e coletiva. Enquadra-se nessa perspectiva, a visualização e compreensão do caráter - progressivo e regressivo, correto ou normal e desviado, harmônico e traumático - do estágio alcançado pela capacidade de auto-reflexão comunicativa em nossa sociedade. Até porque, de fato, "regressão", "desvio" e "trauma", são conceitos das teorias dinâmicas da personalidade, que precisam ser enquadrados por uma teoria contemporânea da formação da consciência moral.
Em síntese, o que precisamos decidir, relativamente à concepção kohlbergiana do processo de formação da consciência moral é se nos basta contentar-nos em promover a ultrapassagem de cada um dos seus seis estádios de desenvolvimento, ou se precisamos preocupar-nos sobre as condições como cada uma dessas etapas é efetivamente ultrapassada.
Numa primeira alternativa de resposta a essa questão, a teoria de KOHLBERG reproduziria, simplesmente, uma extensão do modelo piagetiano de construção das estruturas cognitivas, no campo da formação de consciência. Estaríamos diante de uma tentativa de compreensão das respectivas funções estruturantes. E não haveria, assim, por que questionar-se sobre o conteúdo substantivo do juízo, em cada estágio do respectivo desenvolvimento. Neste caso, então, estaríamos diante de uma teoria genética das estruturas da consciência - pura e simplesmente - e não de uma teoria da formação da consciência moral. Isso que, por sua vez, implicaria numa restrição ao suposto kohlbergiano, de uma aproximação sucessiva à realização de valores éticos universais, a medida em que se galgam os degraus da respectiva escala de desenvolvimento.
Contrariamente, uma segunda alternativa de resposta identifica o grande mérito de KOHLBERG, precisamente, no fato que se propõe ultrapassar os limites de uma análise genético-estrutural, e implica, na elaboração da sua escala de desenvolvimento da consciência, o aprendizado dos valores da convivência universal - ou melhor dito, da auto-reflexão participativa. Para consolidar, no entanto, esse ponto de vista, KOHLBERG deveria assumir explicitamente, a par da promessa, o ônus inerente à elaboração de uma teoria das funções sígnicas: a necessidade de aprofundar a análise das contradições possíveis do sentido no processo de comunicação, a cada passo realizado, ou seja, a cada estágio ultrapassado.
Para decidir entre essas duas alternativas de resposta, torna-se inevitável o afrontamento de algumas outras perguntas:
[a] Em que medida seria possível uma regressão, no processo de formação da consciência moral, desde os valores afirmados num determinado estágio do seu desenvolvimento? Em que circunstâncias isso é teoricamente previsível e quais as suas conseqüências na construção da personalidade?
[b] Em que medida seria possível, também ou alternativamente, um desvio no processo de formação da consciência moral, relativamente aos valores postulados em cada um dos seus estágios? Em que circunstâncias isso é teoricamente previsível, e quais as suas conseqüências na construção da personalidade?
[c] Em que medida o bloqueio do processo de formação da consciência moral, pela estagnação da personalidade num determinado estágio intermediário do seu desenvolvimento, não constituiria um trauma da personalidade? Em que circunstâncias isso é teoricamente previsível e quais as suas conseqüências?
[d] Complementarmente, poderia questionar-se, ainda, em que medida um tal bloqueio no desenvolvimento da consciência moral - alternativa [c] - não poderia induzir à incidência de uma das alternativas [a] ou [b] anteriormente citadas: ou seja, à regressão a estágios mais primitivos da consciência; ou, ao desvio de uma consciência mal formada?
Se estes questionamentos são plausíveis, no que se refere à formação da consciência individual, muito mais ainda o serão, ao deslocar-se o foco de análise para a formação da consciência coletiva.
Ressalta a importância desses questionamentos, a evidência empírica, referida por KOHLBERG [1981:237], que a população adulta norte-americana se encontra majoritariamente situada, num estágio de desenvolvimento moral [Estágio 4]; o qual é, por sua vez, diferenciado daquele que informa a engenharia das suas instituições políticas [a Declaração da Independência e a Constituição, que se conformam aos princípios do Estágio 5]. Tal possibilidade, remete à necessidade de uma investigação, sobre as possibilidades e conseqüências da influenciação mútua, entre níveis diferenciados de consciência, que possam ser manifestados por distintos grupos numa sociedade. Uma investigação que haverá de esclarecer, também, as conseqüências previsíveis, da assintonia entre o estádio de desenvolvimento da sua consciência coletiva [agregada] vis a vis daquela representada nos processos institucionais de uma sociedade.
Considerando-se, que a consciência moral representa uma modalidade de resposta a problemas de convivência, haverá que especular-se sobre as conseqüências previsíveis da assintonia entre essa capacidade coletiva ou institucional, e os problemas de sociabilidade efetivamente emergentes no quadro civilizatório em que se insere?
É relevante perguntar-se, ainda sobre o que fazer, se a resolução dos problemas sociais estiverem a exigir um nível de desenvolvimento superior àquele prevalescente, no estágio atual da consciência coletiva ou na capacidade institucional das sociedades. Nestes casos, a incapacidade de ver adiante, cumulada com a frustração dos problemas não resolvidos, não poderia determinar um regresso social, ou um desvio no caminho à frente, insuscetíveis de enquadramento no modelo de desenvolvimento da consciência moral elaborado por KOHLBERG? Até onde avançam os limites deste texto, pretendemos afirmar a viabilidade de um afrontamento eficaz dessas questões, a partir do enquadramento da teoria kohlbergiana no paradigma sintético da ciência política.
Enquanto o jogo dos INTERESSES NA FORMAÇÃO DE POLÍTICAS permite caracterizar três enfoques diferenciados para o empreendimento social da auto-reflexão política [correspondendo aos três níveis da escala de KOHLBERG: pré-convencional, convencional e pós-convencional]; e, enquanto os respectivos PRINCÍPIOS e ARQUÉTIPOS correspondem a seis funções sígnicas, em consonância com estágios da formação de consciência de KOHLBERG; torna-se possível afirmar a plausibilidade teórica daquilo que, de alguma forma, foi contraposto à inflexibilidade e unidirecionalidade do seu construto: a possibilidade da ocorrência de regressões, desvios e bloqueios traumáticos nos processos de formação da personalidade individual e das instituições.
Mais do que isso, o enquadramento dessa temática no horizonte do paradigma sintético, aponta para a construção de uma taxionomia dos OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS Nota 3 à realização do potencial emancipatório e regulatório da ciência política. Eis que, vamos encontrá-los, exatamente ali, onde o modelo kohlbergiano revela a sua fragilidade [e, ao mesmo tempo, o seu potencial heurístico] no enfrentamento das questões substantivas da formação e desenvolvimento da moral coletiva; onde se pretende elaborar, afinal, uma reconstrução teórica desse mesmo modelo, compatível com a realidade e os conceitos da "regressão", "desvio" e "trauma" psicossociais.
A Tabela 3, a seguir, formaliza um tentativo insight de algumas da principais mazelas da nossa vida política, que se podem visualizar como obstáculos epistemológicos ao processo comunicativo em ciência política.Tabela 3 -Configuração paradigmática dos OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS à realização do potencial emancipatório e regulatório da ciência política.
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Obstáculos epistemológicos ao nível das categorias sígnicas |
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Agir político - auto-reflexão comunicativa - CRITÉRIOS DE REALIZAÇÃO |
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FASCISMO | |
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Persuasão: REPRESSÃO |
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Observação: ATIVISMO |
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Nessa abordagem, AUTORITARISMO, CIENTIFICISMO, CORPORATIVISMO, MALTHUSIANISMO, FASCISMO e FUNDAMENTALISMO, são conceitos que designam - para além das idiosincrasias histórico-contextuais ou teórico-sistemáticas que lhes deram origem - configurações de sentido que podem interferir, como conteúdo substantivo das funções sígnicas, no processo da auto-reflexão comunicativa, como este é visualizado no modelo paradigmático da epistemologia de síntese (Quadro I - a seguir).
Notas:
2. Muito próxima dessa visão, a teoria platônica dos processos de degradação do governo, constitui uma primeira elaboração da visão construtivista aplicada à análise das estruturas políticas. [A REPÚBLICA, Livro VIII], Ed. Globo, Porto Alegre, 1964] (Retorna ao texto) 3. O conceito de "obstáculo epistemológico", aqui utilizado, remete à definição que lhe dão Manuel CASTELLS e Emílio de IPOLA: "Obstáculo epistemológico: todo elemento ou processo extra-científico que, intervindo en el interior de una práctica científica , frena, impide o desnaturaliza la producción de conocimientos. Nota: definimos así a los obstáculos epistemológicos, no por su "orígen" ni por su naturaleza, sino por su funcionamiento y sus efectos. Este conceito, por outro lado, nos permite aceitar, como um atributo do conceito de "epistemologia" , que preside nossa investigação, mas sem reduzir-se a ela, a definição que lhes propõem estes dois autores: "Epistemologia: prática de vigilancia de las operaciones (conceptuales y metodológicas) de una prática científica. El objetivo próprio de esta vigilancia es nular o neutralizar a eficacia de los obstáculos epistemológicos que afectan a la producción de conocimientos. [CASTELLS e IPOLA: "Prática Epistemológica y Ciências Sociales, o como desarrollar la lucha de clases en el plano teórico sin internar-se en la metafísica", mimeo, UFRGS] (Retorna ao texto)