Posição contra os MaKBeTh
A teoria sociopsicanalítica de MENDEL e as três regressões da personalidade frustrada.
É penetrante no foco de nossa investigação, a contribuição teórica de Gerard MENDEL [1973], cuja obra, Sociopsicoanálisis, desvela os mecanismos, através dos quais a questão democrática - e, assim também, a questão referente ao conteúdo substantivo das funções sígnicas - está implicada e decorre do sucesso ou insucesso das soluções oferecidas ao conflito de interesses na sociedade. MENDEL resgata para a psicanálise a dimensão ou esfera do político, que constitui, ao lado da esfera psíquica e da sua base biológica, um terceiro campo de manifestação e desenvolvimento da personalidade humana. Nessa perspectiva, a sociopsicanálise amplia o universo de investigação da escola analítica freudiana - até então limitada à esfera das representações psíquicas e das suas derivações somáticas - para o campo das relações, que se estabelecem entre as classes de indivíduos que se defrontam em luta pelo poder social, no seio das instituições.Assim, para cada um dos três níveis de estruturação da personalidade, visualizados por MENDEL, haverá que corresponder uma função da mente:
No existirían, pues, como pensaba Freud, dos modos de funcionamiento mental (principio de placer y principio de realidad), sino tres. Según el yo-Todo, la fantasía (principio de placer): la omnipotencia imaginaria del arcaísmo; según el yo-acto (principio de realidad individual): el poder de lo psíquico, que funciona con arreglo a un esquema psicofamiliar; y según el yo de lo político, diversificación del segundo (princípio de realidad social), pero que funciona de modo específico: no ya con arreglo a un esquema psicofamiliar, sino a la realidad percibida y actuada de la lucha de clases institucional; este tercer modo de funcionamiento mental de acceso al poder de lo político, única forma de poder social asequible al individuo sin que ese regrese a uno de los dos primeros modos de funcionamiento mental.[MENDEL, 1973, vol. 2:88/89]
Um primeiro paralelismo pode se estabelecer, agora, entre as três dimensões da personalidade, emergentes nessa evolução conceitual da sociopsicanálise - as esferas do eu-político, do eu-ato [psíquico] e do eu-todo [biológico] - e o conceito dos três campos de atualização do saber, que conformam o quadro estrutural do processo do entendimento/conhecimento no modelo paradigmático da epistemologia de síntese.
Um segundo paralelismo teórico, permite compreender que, às três dimensões estruturais da mente supramencionadas, corresponderão também três funções sígnicas na formação da personalidade - isso que MENDEL designa como a fantasia, o poder do psíquico e o poder do político - as quais, na epistemologia de síntese são representadas pelo conceito dos interesses epistemológicos.
Nessa perspectiva, o interesse da reconstrução teórica do significado, constitui uma expressão do potencial latente da fantasia, representada pelo eu-Todo, onipotente e arcaico. O interesse da compreensão participativa do discurso, de outro lado, expressa-se na dimensão do eu-ato, que emula a capacidade de atuar sobre a realidade externa, situando-se como sujeito sobre o seu próprio inconsciente e respectivo meio-ambiente. O interesse da fundamentação transcendental do entendimento, por sua vez, projeta o eu-político, como aquele aspecto da personalidade humana, responsável pela elaboração da consciência individual na intersubjetividade das relações sociais.Um terceiro e último paralelismo, vamos identificá-lo nas proposições de MENDEL que atendem à frustração do projeto substantivo - ou finalístico - da personalidade, sinalizado pelas três funções sígnicas supramencionadas. Isso, que se projeta - como manifestações praxiológicas da personalidade neurótica - através de "regressões", que percorrem o caminho "inverso" - ou melhor dito, irrealizado - da sua atualização:
"La regresión de lo político al plano de lo psíquico se produce cuando los conflictos de clases sociales no pueden desarollarse a fondo y en toda su amplitud, ni modificar radicalmente el devenir de esas clases, y cuando se los oculta o suprime por la fuerza. (...)
Esa regresión - y en este sentido el término no es del todo correcto - no se produce desde una posición adquirida. No hubo primero conciencia de clase, conflicto de clases. Es una regresión respecto de una posición que habría podido y debido ser alcanzada. (grifei)
Cuando el conflicto no puede expresar-se en el nivel político, lo hace recurriendo a los materiales y elementos del nível inmediatamente subyacente, o sea, el nível psíquico." [MENDEL, 1974, vol. 1:17-19]
É bem clara a pertinência dos conceitos de MENDEL à discussão travada neste texto, relativamente aos estágios da formação da consciência moral de KOHLBERG. Clarifica-se, agora, o foco de nosso questionamento: não é gratuita ou desonerosa a não-completação do processo de desenvolvimento da consciência moral. Segundo MENDEL, há um preço a ser pago por isso. E este é cobrado à consciência estagnada, como "regressões" dos desafios à frente - os quais, efetivamente, não podem ser descartados da experiência vivida, mas resultam, então, falseados na sua finalidade. Travestem-se, no seu equacionamento, as formas que revestiram estágios já ultrapassados do desenvolvimento da personalidade, numa representação, dessarte perversa, dos conteúdos não-resolvidos da consciência ética universal.
Esse raciocínio simples, que se elaborou sobre a "regressão" do campo político à esfera do psíquico; aplica-se, também, às regressões da esfera do psíquico ao nível biológico. Por isso que, na linha de investigação que estamos desenvolvendo, a correspondência da teoria sociopsicanalítica de MENDEL, com a teoria da formação da consciência moral, no paradigma da ciência política, haverá de se completar pela enunciação - aqui propositiva - das seis manifestações básicas desse comportamento regressivo, correspondentes aos seis estágios de KOHLBERG. Nesse sentido, do primeiro para o terceiro níveis da praxiologia moral, e do primeiro para o sexto estágio no desenvolvimento da personalidade, SUICÍDIO e ECOCÍDIO, a seguir, FRATRICÍDIO e GENOCÍDIO, e finalmente, PARRICÍDIO-FILICÍDIO e EPISTEMICÍDIO, são atos decapitados - formas perversas da praxiologia mundana, que visualizamos como manifestações típicas da consciência regressiva. E aqui, caberia investigar-se a possibilidade de uma aplicação própria do conceito de "comportamento desviante", no processo de formação e desenvolvimento da consciência moral.
Para fixar a pertinência desses conceitos, no esquema teórico de uma epistemologia sintética, é necessário perceber o sentido "regressivo" que pode revestir cada uma das funções sígnicas:
1. REGRESSÕES NO NÍVEL DO POLÍTICO:
A incapacidade de conformar o poder do político no espaço público, como autoridade legitimada, deriva-se em regressões ao plano psíquico, que revestem as perversões características do parricídio-filicídio. Sob o influxo dessa regressão, a formação da consciência coletiva - que deveria se expressar pela consensualização de um pacto social regulador da ordem pública - torna-se presa das práticas manipulatórias totalitário-repressivas, que têm no fascismo o seu modelo típico.
A incapacidade de formular um paradigma das interações comunicativas, que assegure o estabelecimento de relações dialogais, deriva-se em perversões da consciência individual típicas do dogmatismo - e, no seu limite, características do epistemicídio. Identifica-se aqui, a frustração da possibilidade de entendimento entre visões diferenciadas do mundo. Na forma dos fundamentalismos da hora presente, essa regressão representa a falência de uma solução democrática - racional e pluralista - aos problemas da convivência, no processo civilizatório em curso.
2. REGRESSÕES NO NÍVEL DO PSÍQUICO:
A incapacidade de conformar o espaço privado, pela via da mútua concordância entre indivíduos no mesmo nível de classe ou posição institucional, deriva-se na perversão do plano psíquico familiar, que designamos pelo conceito do fratricídio. O expurgo político, o conflito intra-partidário, a traição de um Calabar, mas sobretudo o corporativismo, desintegrador das lealdades sociais horizontais e do espírito público, e aniquilador das personalidades divergentes, conformam essa segunda dimensão regressiva da formação da consciência moral.
A incapacidade de equacionar as demandas de emancipação - que concernem à construção e construção da personalidade individual na democracia - como a liberdade-igualdade-fraternidade, desencadeia, pela sua frustração, a violência bárbara do genocídio. E a sua justificação perante a consciência coletiva, travestida em representação teórica da sua própria inevitabilidade, toma a forma desse princípio incivilizatório que se convencionou designar pelo conceito do malthusianismo.
3. REGRESSÕES NO NÍVEL DO BIOLÓGICO:
A incapacidade de lograr-se a institucionalização - na base orgânica da sociedade e da própria individualidade - mecanismos para a solução satisfatória e racional de conflitos, afeta as condições de manutenção do próprio equilíbrio biológico, levando o indivíduo a cometer - conscientemente ou não - suicídio. E, no caso da consciência coletiva, essa decapitação genérica da capacidade de partilhar convívio - como poder do psíquico no seu próprio ambiente social - constitui e alimenta os autoritarismos de vário matiz.
A incapacidade, afinal, de distribuir satisfatoriamente os recursos físicos e materiais, de que dispõe a personalidade individual e a organização social, repercute perversamente, também, no campo biológico, sob a forma de agressão ambiental, que podemos designar pelo conceito genérico do ecocídio. No caso da consciência coletiva da modernidade, enquadram-se aqui os processo autofágicos, que têm suprimido, à subjetividade humana, a sua capacidade de controle sobre o seu próprio destino. O referencial explícito dessa regressão, na extensão e profundidade de uma essa doença coletiva, que engendra o mal estar de nossa civilização, é o cientificismo.
Assim formulado - como se pode visualizar na Tabela 32, a seguir - esse esboço de uma convergência teórica, tão rica, quanto complexa, nas suas múltiplas implicações, abre-se um vasto boqueirão de implicações e conseqüências.
Uma conclusão necessária, desde logo se impõe: que uma sociedade, em nível avançado de formação de consciência, segundo a escala KOHLBERG, nem por isso está implicitamente afastada da possibilidade de apresentar graves e profundas irracionalidades no seu modo de vida. Basta, aliás, que não consiga avançar até o estágio final da escala proposta, para que a "frustração" do comportamento ético não performado, afete regressivamente o seu modo de ser.
Ao mesmo tempo, percebe-se, também, que a gravidade dos desafios, num crescendo de repercussões civilizatórias, em cada nível do desenvolvimento de consciência performado, aumenta a responsabilidade daqueles que assomam aos estágios superiores na formação da consciência moral. Isso que, afinal, corrobora a filosofia grega clássica, na sua antecipação de NIETZSCHE, que "os grandes crimes e a maldade refinada" não brotam de "alguma inferioridade", mas sim da "plenitude da educação que recebeu". E assim as consciências mais "desenvolvidas" enquadram-se nesta analogia: são como "uma planta que, recebendo alimento adequado, deve necessariamente desenvolver-se e produzir todo gênero de virtudes; mas quando é semeada e cria raízes em solo impróprio, converte-se na mais daninha de todas as ervas daninhas..." [PLATÃO, 1964:179].
Tabela 4 - Configuração temática da Ciência Política: na perspectiva do seu núcleo sígnico e dos enfoques propiciados pela tríade dos interesses epistemológicos.
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ESTÁGIO 5: Contrato Social | FASCISMO |
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