Posição contra os MaKBeTh
Atualidade do "SÍNDROME DE MaKBeTh"
O sentido trágico da obra shakespeariana, é, antes de qualquer coisa, a preparação da cena, para o desenrolar de uma reflexão contemporânea Nota 8, diante das regressões do poder, que nos alerta sobre como isso acontece e nos adverte das suas implicações morais.Com MENDEL, a sociopsicanálise estabelece a ponte necessária para o estudo da originação e das implicações sociais das regressões da personalidade política, que se manifestam como: "parricídio-regicídio" [ou tiranicídio], "fratricídio-filicídio-genocídio" [até como epistemicídio] e "suicídio-ecocídio".
De fato, a ocultação do político nas relações cotidianas, manipuladas pelo imediatismo das opções e o descompromisso das decisões, nutrem precipuamente esses três momentos regressivos: no abuso e degradação da autoridade que se expressa nos autoritarismos de vária índole; na conspiração da mediocridade, que o complementa no enquadramento repressivo das burocracias; e, assim, também, no sentimento de impotência e no ressentimento das massas alienadas, que Nietzsche proclamou em definitivo.
Tem origem, nesses processos regressivos, como privações de uma equilibrada apropriação de poder pela cidadania, o tão propalado desprestígio da política em nosso meio. No seu limite, a ocultação do político alimenta os movimentos pendulares de opinião que, oscilando da frustração/apatia para a agressão/ativismo, constituem maiorias silenciosas e passivas e, paradoxalmente, explodem na catarse de maiorias plebiscitárias ou punitivas.
Estes conceitos denotam o campo atitudinal dos descamisados rebentos de uma sociedade autoritária. Aqui, a percepção drástica de ineficácia política, que alimenta o individualismo conformista do povo e a clandestinidade da sociedade em relação ao Estado, combina-se com a irrupção sazonal dos movimentos populares em nossa vida política, marchando pelas Diretas Já, ou mostrando as Caras Pintadas no impeachment do Presidente COLLOR.
No desenrolar das suas conseqüências, a ocultação do político nutre e explica práticas regressivas de governo, e, na sua esteira, a degradação moral e o sentimento de onipotência dos prestidigitadores da desesperança a que dá origem. Sustenta, mesmo, uma dinâmica de autodestruição, que deturpa as práticas institucionais, inviabiliza a organização de base da sociedade e subsume a lógica de uns e de outros - agressores e agredidos, na inexorabilidade da crise que vivemos.
A dimensão de análise, que aqui afloramos, encontra na literatura universal os seus clichês, para os três níveis de regressão do político, que este século teve a ingrata oportunidade de ver reunidos na trajetória política e pessoal de Adolff HITLER. A análise sistemática desses processos obedece, consoante essa abordagem, um crescendo de irracionalidade e violência que se desloca:
das relações assimétricas de autoridade (filho x pai, líder x massa); | |
para aquelas que envolvem relações de maior igualdade (irmão x irmão, correligionário x correligionário, povo x povo); | |
para chegar finalmente ao estágio do conflito que demarca a perda da própria identidade (o mecanismo perverso da auto-agressão). |
Na ausência de uma concepção integrada e de uma visão sensata, que respeite a irredutibilidade dos fins e a dignidade dos meios, na elaboração de uma política democrática, o afrontamento dos desafios propostos à formação da personalidade e à apropriação social do poder, em cada um destes níveis, tende a cristalizar-se em atitudes que retroagem sobre as suas próprias conquistas, reiterando os mesmos padrões indesejáveis de comportamento que se propunham combater. Os marcos evolutivos recentes da teoria política - e sua imbricação no desencadear dos acontecimentos históricos - testemunham à saciedade os padrões aqui apontados para essa dinâmica regressiva, que se caracteriza pela ocultação da esfera do político.
Foi assim, que o liberalismo nascente hipostasiou o Contrato Social no absolutismo das razões de Estado, sacralizando-o no construto kelseniano. No extremado formalismo dessa abordagem, o Contrato na forma de Constituição, e tendo por critério de validade a sua efetividade, independente de origem ou conteúdo, se cristaliza numa concepção tutelar do Estado. Em reação, a teoria marxista e o neoliberalismo, figurativamente, assassinaram o conceito de Estado, na tentativa de dessacralizá-lo, reeditando-o, no entanto, da forma mais degradada e odiosa, nos regimes autoritários de esquerda e direita, pela ausência de uma compreensão clara da liberdade, como implicação estratégica da política democrática.
Foi assim, também, que os revolucionários de 14 de julho de 1789 e do 3 de outubro de 1917, muito concretamente, executaram os usurpadores da soberania popular, na tentativa de quebrar o monopólio do poder político, restaurando no entanto a tirania, pela ausência de uma estratégia da liberdade e do respectivo compromisso ético e social, deixando irresoluta nestes episódios a questão democrática subjacente. Numa outra perspectiva, a proposição da ditadura do proletariado, no campo teórico, e a tirania filicida do stalinismo, na prática, correspondem aos dois primeiros estágios de uma dinâmica regressiva de ocultação do político, que desencadeou os vetores da contemporânea crise de identidade da sociedade soviética.
A inexorabilidade desses arquétipos, como condições gerais da personalidade, que devem ser equacionadas, no plano psíquico e socio-político, é o grande tema da figuração bíblica e da tragédia grega. O amor filial reprimido (filicídio/parricídio) de CAIM armou a sua mão assassina, e o fratricídio o levou ao desterro do Éden. JUDAS, traindo o MESTRE - e assim cometendo parricídio - inicia a saga de uma regressão que o levará ao suicídio. O crime de ÉDIPO precisa ser resolvido no afrontamento das Fúrias da sua própria consciência culpada.
Em SHAKESPEARE, o tema da regressão psicossocial, figura-se nos arquétipos da sua dramaturgia política. O assassinato de DUNCAN, o Rei, por instigação de LADY MACBETH, inicia [numa regressão de primeiro grau marcada pela simbologia do regicídio] a trajetória criminosa de MACBETH, que o fará voltar-se contra BANQUO, seu antigo companheiro de armas [numa regressão de segundo grau, como fratricídio], e que o levará, afinal, ao isolamento e ao delírio, que desencadeia a sua autodestruição [como uma regressão de terceiro grau redundando em suicídio].
Todos esses exemplos e figurações querem, simplesmente, plasmar a autoconsciência da humanidade, que a prepotência de uma ambição, destituída de senso crítico e de limites éticos, condena seus infelizes e sequiosos postulantes, à encenação trágica desse grande arquétipo da corrupção do poder, que SHAKESPEARE imortalizou na interação fatídica das personalidades regressivas do casal macbethiano. Nota 9
A política democrática, como estratégia da liberdade, vem a ser, fundamentalmente, o exorcismo, pelo auto-esclarecimento social, de semelhantes padrões de comportamento regressivo, que resultam, no entanto, protegidos e reforçados pela estrutura e funcionamento do Estado contemporâneo, em relações originárias de sentido, que compete à análise política esclarecer.
No seu confronto, o que a política democrática deverá propor, é a substituição do elemento subjetivo da frustração/agressão - cristalizado nas relações institucionais, que mascaram uma efetiva extração de mais-valia de poder - pelas condiçõe efetivas da auto-realização de uma soberania-partilhada exercitada como ato emancipatório da cidadania na engenharia dos consensos que conformarão uma sociedade desejada. Quando então, como postula Gérard MENDEL: "a partir del momento en que la dimensión de lo político se establezca solidamente, el Estado se verá obligado a deshacer-se de sus poderes. La esfera de lo político y un Estado poderoso no son compatibles". [1973, vol.1:.55]
Na conclusão desse Capítulo, o conteúdo que pretendo transmitir é de uma profunda certeza - que se declina como Esperança...
Porque as BRUXAS que vaticinaram a glória passageira do truculento MACBETH, também sinalizaram a imortalidade do valente BANQUO, na aparição dos oito reis Nota 10, seguidos do Espírito triunfante de BANQUO. Profetizaram que, o leal companheiro de MACBETH, mesmo assassinado, se projetaria no tempo, pelo caminho reto e fecundo da originação de uma nova estirpe de reis...
É, por conseqüência, em memória dos que tombaram nessa luta e em testemunho da vida que eles haverão de renascer, na expectativa de assim tocar a generosidade dos meus alunos... - extensivamente dos meus leitores - para juntos contribuirmos nessa humilde e necessária tarefa de trabalhar a consciência social e o perfil moral do anti-MaKBeTh, na geração de uma nova estirpe política, que eu escrevo esse texto.
8. Versão revista e significativamente amplificada do Capítulo 4 de: AYDOS, Eduardo Dutra, Democracia Plebiscitária: Utopia e Simulacro da Reforma Política no Brasil, co-edição Ed.UFRGS/LaSalle, Porto Alegre, 1995. (Retorna ao texto)
9. Foi exatamente a desconsideração dessa advertência que contaminou de um conteúdo perverso, numa efetiva reprodução do SÍNDROME DE MaKBeTH, a experiência ainda recente do governo imperial do PDT no Rio Grande do Sul [Administração Collares - 1991-1994]; essa mesma que, não fora a tragicidade das suas conseqüências, teria lugar e expressão, apenas, numa antologia do anedotário político local. Os elementos fáticos e analíticos, que justificam essa afirmação encontram-se amplamente descritos e analisados em "Pequenos MaKBeTh" (Documento autobiográfico, depositado no arquivo de história política: NUPERGS, IFCH-UFRGS, em 16/12/98). (Retorna ao texto) 10. Importante ressaltar aqui a simbologia do número oito, que designa o ARCANO VIII do Tarô, cujo tema é a JUSTIÇA, a LEI e o KARMA. (Retorna ao texto)