Posição contra os MaKBeTh

Na dialética triádica do princípio do prazer e do princípio da realidade, uma taxionomia estrutural das psicopatologias.

A confusão teórica entre as funções estruturantes do processo de comunicação e suas funções sígnicas, que vimos clarificando ao longo desta tese, é responsável por mais um equívoco, nas implicações que MENDEL retira da visualização da esfera do político, como um terceiro campo de interações significativas na formação da personalidade. Pretende, a partir dessa proposição, ter superado e, assim descartado e substituído pela sua compreensão triádica - do político, psíquico e biológico - o construto central da analítica freudiana, na dinâmica do princípio do prazer e do princípio da realidade.

Ao contrário de MENDEL, no entanto, não visualizamos, na introdução do componente triádico das funções sígnicas da mente, a superação da dialética freudiana do princípio do prazer e do princípio da realidade, que, efetivamente, constituem o núcleo da elaboração das suas funções estruturais. De fato, é sobre a dialética triádica desses dois princípios, genialmente formulados por FREUD, que se poderá identificar as bases para uma taxionomia das doenças mentais, consistente com a estrutura do paradigma sintético.

É complexa a analítica freudiana neste particular, até mesmo pela sua evolução conceitual, na passagem da primeira tópica (onde o aparato psíquico é visualizado pelas relações de três sistemas: Inconsciente, Pré-consciente e Consciente) à segunda tópica por volta de 1920 (onde o psiquismo passa a ser visualizado em termos de Id, Ego e Superego).

A indisponibilidade do paradigma triádico - como se encontra aqui formalizado - ao tempo em que FREUD desenvolveu a sua analítica, certamente dificultou-lhe a clarificação dessa passagem conceitual, de forma que viesse a esclarecer-se o locus da tensão diádica dos processos primários e secundários da mente, na dialética tríadica das suas funções estruturais. É o que resta agora compreendido e pode ser visualizado no modelo paradigmático da epistemologia de síntese. [Quadro II]

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O paradigma da epistemologia de síntese clarifica o pensamento de FREUD, sobre a interação das duas tríades que conformam o núcleo central do psiquismo, evidenciando o modo como se realiza a sua complementaridade dialética:

como um fazer comunicativo - uma primeira tríade constitui o processo primário da mente [Energia livre - Inconsciente - Princípio do prazer]; e

como um agir comunicativo - uma segunda tríade elabora o seu processo secundário [Energia ligada - Pré-consciente - Princípio da realidade].

Compreende-se, dessa forma como o Sistema Consciente (PSIQUISMO) da personalidade, na formulação que lhe é proposta por Freud, conforma-se na interação dialética desses dois processos constitutivos, nas suas quatro manifestações [ou modos de percepção psíquica]: ATENÇÃO, PENSAMENTO, JUÍZO E RACIOCÍNIO.

Estes, por sua vez, correspondem aos quatro estágios de formação da personalidade de TURNER, mencionados por TREVISOL Nota 4, e caracterizados pelos conceitos de:

arcaísmo [ou momento arcaico-autista do "Eu-objeto"];

simbiose [ou momento simbiótico - que caracteriza a primeira percepção da ambigüidade na relação "Eu x objeto" - reconhecimento da autonomia do objeto];

diferenciação [marcada pelo reconhecimento da subjetividade do objeto - primeira etapa da relação Eu x Tu - marcada pela sua imediatividade]; e

consolidação [quando a personalidade constrói, afinal, a sua configuração triádica: Eu-objeto-Tu ou Eu-mediação-Tu].

Correspondem essas quatro manifestações da personalidade, também, a uma taxionomia básica das patologias da personalidade, que identificam défices de realização no afrontamento dos desafios propostos pela configuração das funções estruturantes, que integram cada um dos quatro estágios da formação da personalidade. Essas patologias estão consistentemente figuradas no modelo paradigmático do Quadro II, e são, respectivamente: o autismo, a paranóia, a depressão e a esquizofrenia.

O autismo, nessa figuração teórica, ressalta uma rejeição primária à elaboração da tensão diádica - Eu x objeto - a qual se constitui no mecanismo elementar de formação da personalidade. Nesse caso, manifesta-se uma incapacidade do Sistema Consciente (ou PSIQUISMO) em decodificar, ou assimilar, o impacto da totalidade refletida do Sistema Inconsciente pela totalidade vivida do Sistema Pré-consciente. Exatamente por isso, o Eu-Todo não consegue voltar-se sobre os objetos... que lhe são externos, nem mesmo para deles se apropriar, o que se reflete na sintomatologia externa do autismo como patologia da atenção.

Fixações de personalidade, por conflitos irresolutos neste período arcaico, tenderão a manifestar-se na idade adulta sob a forma de egocentrismos de toda espécie. Na política, os défices de realização da personalidade no período arcaico, se projetam na formação de um grande contingente - a maioria silenciosa nas democracia, os apáticos de toda sorte. E, de outro lado, se manifestam na cristalização de preconceitos e discrimes; de tudo aquilo que recusa ao Outro a própria dignidade de tornar-se um interlocutor ou protagonista legitimado no grande drama social. Seus portadores, são marcados pela característica típica da impaciência - como incapacidade de ouvir... e da auto-suficiência, que emula a arrogância e a truculência no exercício do poder.

A paranóia, surge na etapa seguinte de formação da personalidade: a simbiótica. Não se trata, aqui de um curto circuito na polaridade dos processos primário e secundário - trata-se sim, de uma dificuldade em processar o reconhecimento do Eu na autonomia do seu próprio objeto. O narcisismo, de um lado, como excesso de valorização do Eu, devido a uma ansiedade irresolvida pelo afastamento de um objeto de prazer; e, de outro lado, uma inequívoca sintomatologia de dependência, como devoção exagerada ao objeto que se teme perder - seja este um artigo de consumo, o parceiro sexual, o líder político ou religioso, o ídolo esportivo, enfim qualquer outro objeto de fixação midiático; são estes os componentes brutos dessa primeira patologia da ambigüidade.

Disso decorre que o tipo clássico do paranóico é duplamente: um narcisista e, também, um dependente. Encontram-se, nesse contingente humano, ambivalentes de toda a sorte, generosos e covardes, valentes e mesquinhos - mas, em qualquer hipótese, perniciosos quando investidos de poder: como o Imperador NERO, um narcisista fixado na própria mãe. Figura típica do paranóico clássico que, tendo mandado incendiar a cidade, e sucedendo libertar-se da sanha dos cidadãos enfurecidos, pela caridade de um punhal assassino, ainda haveria de balbuciar, em seu último alento, na exaltação do amor próprio embevecido: que grande poeta Roma está perdendo!

Inseguros da própria condição humana, e fantoches das suas fixações objetais, os paranóicos serão capazes de enfrentamentos heróicos e rendições patéticas - de condenações arbitrárias e embevecidas juras de amor. Formam um contingente humano, grandiloqüente e ativo, cumprindo missões e defendendo consignas, conseguindo tornar-se simpáticos e cativantes, na exaltação das próprias virtudes... até o momento que se tornam fastidiosos e desdenham do próprio interlocutor.

Porque no seu aspecto mais insidioso, essa patologia da ambigüidade é supressora do pensamento, como o discorrer das idéias sobre um tema - porque não se autonomiza o tema em relação ao amor de si próprio e sua projeção nos objetos. O paranóico - sendo um narcisista-dependente - não reserva espaço, entre a sua desesperada necessidade de auto-afirmação e sua, não menos absoluta, necessidade de confirmação, para a investigação de uma hipótese ou para o acontecimento de um diálogo. Na política, isso os torna monocórdios... não recuando diante do próprio ridículo, porque dele não possuem a capacidade de discernimento.

Confundirão sempre, em torno de si mesmo, o público e o privado, a responsabilidade e a paixão, o palácio e o prostíbulo... E a sua volta acolherão os áulicos, afastando os críticos, até o momento em que a ingenuidade de uma criança, o sacrifício de um inocente, ou o genocídio de um povo, se torne capaz de gritar às consciências que os sustentam, que o rei está nu... explicitando, assim, a realidade dos fatos e a sua tragédia, nas implicações sociais da sua loucura.

A depressão é uma segunda patologia da polaridade. Dá-se aqui, um curto-circuito no fluxo de energia mental - mais propriamente no processo de canalização da energia livre ao processo secundário do vivido. Ocorre no estágio de formação da personalidade designado como o momento da diferenciação do Eu e do seu objeto; no momento da subjetivação deste objeto como Tu. A projeção da própria energia na dimensão do objeto - ao subjetivá-lo, numa relação em que o Eu se torna objeto, bloqueia a formação do juízo, como capacidade de se confrontarem argumentos e interesses, de origem interna e externa, à consciência dos próprios sentimentos. Em virtude disso, recusa-se ao Eu o movimento da vontade, que plasma o objeto e, como ato, estabelece relações intersubjetivas, na direção da sua auto-realização. Transfere-se todo o potencial de auto-reflexão comunicativa da relação diádica, para uma atitude de auto-comiseração - construída sobre sentimentos de culpa e frustração - projetando-se fantasiosamente no grande Tu, que passa a ocupar a posição do sujeito, a capacidade e a responsabilidade pela sua regeneração.

No cotidiano da vida, o depressivo clássico se deixará anular pelo perfeccionismo da obra que pretenda realizar, que restará sempre, por isso mesmo, inacabada. Fonte de frustração e culpa, sua incapacidade de liberar a energia mental como ato de uma realização concreta, os tornará intrigantes e bajuladores. Na política, os tipos depressivos clássicos, prestar-se-ão às tarefas mais humilhantes e despersonalizadas - como beatas de sacristia, numa relação de proximidade e sujeição à autoridade do padre; áulicos e alcagüetes do poder - formarão o complemento ideal dos paranóicos, no coquetel fascista de uma relação patológica entre líder e massa nas sociedades afluentes, entre dirigentes inescrupulosos e burocratas competitivos, no ritualismo das grandes corporações.

Finalmente, a esquizofrenia comparece nesse esquema teórico, como uma segunda patologia da ambigüidade. Já não se trata aqui, da ambivalência - narcisista e objetal - que revelava, na paranóia, uma incapacidade básica de lidar com o princípio do prazer na formação da própria consciência. Trata-se da incapacidade de articular o mundo da vida no princípio da realidade, como um espaço próprio, distinto do Eu e do Tu, estabelecendo-se os limites de sua vigência para cada uma dessas polaridades. A ambigüidade persiste, no fato que a personalidade balança entre uma identificação midiática com o(s) mundo(s) do(s) outro(s) e a construção embrionária da própria realidade, ao ponto de confundirem-se critérios de julgamento, projetarem-se expectativas, repetirem-se slogans, que nada dizem das próprias razões.

Na política e na sociedade, a esquizofrenia é a componente patológica mais flagrante da sociedade de consumo, com suas técnicas de propaganda e efeitos de demonstração. Caracteriza a instabilidade dos movimentos da opinião pública e se reflete na ambigüidade das relações pessoais, pela deslealdade intrínseca dos comportamentos estereotipados numa tipificação de "camaleonismo" - de "Maria-vai-com-as-outras", como nos folguedos infantis - que faz da política mera arte da retórica e, do apelo populista aos interesses de cada auditório, uma bem estabelecida "profissão".

Ao tipo esquizofrênico clássico dessa reincidiva sofística, não interessa quais as inconsistências - que os seus discursos contemplam - entre os interesses dos públicos que cativa; e não importa quais as dificuldades que estes interesses apresentem, relativamente à realidade própria e objetiva da sociedade e do Estado, em cuja dinâmica se inserem. A esquizofrenia, como patologia do raciocínio, suprime essas contradições. Num estágio avançado do desenvolvimento da personalidade, quando se tornou viável a elaboração de um discurso autônomo sobre a realidade, cultiva a arte do descompromisso... com o próprio discurso.

Notas:

4. A referência aqui, é uma palestra proferida pelo Dr. Pe. JORGE TREVISOL, no dia 06/06/98, no Colégio Dom Feliciano, em Gravataí, onde desenvolveu uma belíssima exposição sobre relação entre os quatro estágios de formação da personalidade [trabalhados por VITOR TURNER: La Fioresta dei Simboli] e a formação da consciência religiosa. Foi no contexto teórico dessa reflexão, e nela inspirado, que desenvolvi a inserção das quatro patologias da personalidade no modelo paradigmático da epistemologia de síntese. (Retorna ao texto)

Sumário desta secção
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SÍNDROME DE MaKBeTh - A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA MORAL E O PARADIGMA DA PATOLOGIA DO PODER
A teoria da construção da consciência moral de KOHLBERG no paradigma epistemológico
A teoria da sociopsicanalítica de Mendel e as três regressões da personalidade frustrada

Na dialética tridádica do princípio do prazer e do princípio da realidade, uma taxionomia estrutural das psicopatologias

A dimensão trágica do afrontamento político numa tragédia shakespeariana

Atualidade do "SÍNDROME DE MaKBeTH"

Notas

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