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Quem somos
Contos de fada
São
os mitos para crianças. Segundo Joseph Campbell, cada idade tem
seus mitos. Quando éramos crianças meu pai contava histórias
de fadas para nos fazer dormir. À medida que fomos crescendo ficou
difícil para ele, porque queríamos saber o fim. E daí
queríamos outra história, e não dormíamos. Quando já sabíamos
ler ele comprou a coleção dos contos dos irmãos Grimm.
Lá estão contos que viraram produções dos estúdios
de Walt Disney, como Branca de Neve, mas tem também muitas coisas
diferentes, algumas bastante estranhas. Tem Pele de Asno, a história
da filha que foge do pai que quer se casar com ela. E tem A água da vida.
A água da vida
(recolhido pelos irmãos Grimm)
Era uma vez um rei muito poderoso que vivia
feliz e tranqüilo em seu reino. Um dia adoeceu gravemente e ninguém
esperava mais que escapasse. Seus três filhos estavam consternados
vendo o estado do pai piorar dia a dia. Choravam no jardim quando surgiu
à sua frente um velho de aspecto venerável que indagou a
causa de tamanha tristeza. Disseram-lhe estar aflitos por causa da enfermidade
do pai, já que os médicos não tinham mais esperanças
de o salvar. O velho lhes disse: "Conheço um remédio muito
eficaz que poderá curá-lo; é a famosa Água
da Vida. Mas é muito difícil obtê-la." O filho mais
velho disse: "Vou encontrá-la, custe o que custar." Foi imediatamente
aos aposentos do rei, expôs-lhe o caso e pediu permissão para
ir em busca dessa água. "Não. Sei bem que essa água
maravilhosa existe, mas há tantos perigos a vencer antes de chegar
à fonte que prefiro morrer a ver um filho meu correndo esses riscos"
disse o rei. O príncipe porém insistiu tanto que o pai acabou
por consentir. Em seu íntimo o príncipe pensava: "Se conseguir
a água me tornarei o filho predileto e herdarei o trono." Partiu
pois montado em rápido corcel na direção indicada
pelo velho. Após alguns dias de viagem, ao atravessar uma floresta
viu um anão mal vestido que o chamou e perguntou: "Aonde vais com
tanta pressa?" "Que tens com isso, homúnculo ridículo? Não
é da tua conta" respondeu altivamente sem deter o cavalo. O anão
se enfureceu e lhe rogou uma praga. Pouco adiante o príncipe se
viu entalado entre dois barrancos; quanto mais andava mais se estreitava
o caminho, até que não pôde mais avançar nem
recuar, nem voltar o cavalo nem descer. Ficou ali aprisionado sofrendo
fome e sede mas sem morrer.
O rei esperou em vão sua volta. O segundo filho, julgando que o
irmão tivesse morrido, ficou contentíssimo pois assim seria
o herdeiro do trono. Foi ter com o pai e lhe pediu para ir em busca da
Água da Vida. O rei respondeu o mesmo que ao primeiro; por fim cedeu
ante a insistência do rapaz. O segundo principe montou a cavalo e
seguiu pelo mesmo caminho. Quando atravessava a floresta surgiu-lhe o anão
mal vestido e lhe dirigiu a mesma pergunta: "Para onde vais com tanta pressa?"
"Pedaço de gente nojento! Sai da minha frente se não queres
que te espezinhe com meu cavalo." O anão lhe rogou a mesma praga,
assim o principe acabou entalado nos barrancos como o irmão.
Passados muitos dias sem que os irmãos voltassem, o mais moço
foi pedir licença ao pai para ir buscar a Água da Vida. O
rei não queria consentir, mas foi obrigado a ceder ante suas insistências.
O jovem príncipe montou em seu cavalo e partiu; quando encontrou
o anão na floresta ele, que era delicado e amável, deteve
o cavalo dizendo: "Vou em busca da Água da Vida, o único
remédio que pode salvar meu pobre pai, que está à
morte." "Sabes onde se encontra?" perguntou o anão. "Não."
"Pois já que me respondeste com tanta amabilidade vou te indicar
o caminho. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro que
está à frente, vira à esquerda e segue até
uma encruzilhada; aí segue ainda à esquerda. Depois de dois
dias encontrarás um castelo encantado: é no pátio
dele que se encontra a fonte da Água da Vida. O castelo está
fechado com um grande portão de ferro maciço, mas basta tocá-lo
três vezes com esta varinha que te dou para que se abra de par em
par. Assim que entrares verás dois leões enormes prestes
a se lançarem sobre ti para te devorar; atira-lhes estes dois bolos
para apaziguá-los. Aí corre ao parque do castelo e vai buscar
a Água de Vida antes que soem as doze badaladas, senão o
portão se fecha e tu ficarás lá preso."
O príncipe agradeceu gentilmente, pegou a varinha e os dois bolos
e se pôs a caminho, e conforme as indicações chegou
ao castelo. Com a varinha mágica bateu três vezes e o imenso
portão se abriu; ao entrar os dois leões se arremessaram
contra ele de bocas escancaradas, mas atirou-lhes os dois bolos e não
sofreu mal algum. Porém antes de se dirigir à fonte da Água
da Vida não resistiu à tentação de ver o que
havia no interior do castelo, cujas portas estavam abertas: galgou as escadas
e entrou. Viu uma série de salões grandes e luxuosos. No
primeiro, imersos em sono letárgico, viu uma multidão de
fidalgos e criados. Sobre uma mesa estava uma espada e um saquinho de trigo;
pressentiu que lhe poderiam ser úteis e levou-os consigo. Indo de
um salão a outro, no último deu com uma princesa de rara
beleza, que se levantou e disse que, tendo conseguido penetrar no castelo,
destruíra o encanto que pesava sobre ela e todos os súditos
do seu reino; mas o efeito do encantamento só cessaria mais tarde.
"Dentro de um ano, dia por dia, se voltares aqui serás meu esposo".
Depois lhe indicou onde estava a fonte da Água da Vida e se despediu,
recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes do
relógio da torre bater as doze badaladas do meio-dia, porque nesse
exato momento os portões se fechariam. O principe percorreu em sentido
inverso todos os salões por onde passara, até que viu uma
belíssima cama com roupas muito alvas e recendentes; cansado que
estava da longa caminhada deitou-se para descansar um pouco e adormeceu.
Felizmente mexeu-se e fez cair no chão a espada que colocara a seu
lado, despertando com o barulho. Levantou-se depressa: faltava um minuto
para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher um frasco
com a água preciosa e fugir. Ao transpor os batentes da entrada
soou o relógio dando meio-dia; o portão se fechou com estrondo
e tão rápido que ainda lhe arrancou uma espora.
No auge da felicidade por ter conseguido a água que salvaria seu
pai e ansioso por se ver no palácio pulou sobre a sela e partiu
a galope. Na floresta encontrou o anão no mesmo lugar, o qual vendo
a espada e o saquinho de trigo disse: "Fizeste bem em guardar este precioso
tesouro. Com essa espada vencerás sozinho o mais numeroso exército,
e com o trigo desse saquinho terás todo o pão que quiseres
e nunca se lhe verá o fundo." O príncipe estava porém
apoquentado com a desgraça dos irmãos, e perguntou se o anão
poderia fazer algo por eles. "Posso, ambos estão pouco distante
daqui entalados em barrancos muito apertados; amaldiçoei-os por
causa de seu orgulho." O príncipe rogou encarecidamente que os perdoasse
e libertasse, e o anão cedeu às suas súplicas. "Mas
te advirto que te arrependerás. Não te fies neles, são
de mau coração; liberto-os apenas para te ser agradável."
Assim dizendo fez os barrancos se afastarem libertando os entalados, pouco
depois reunidos ao irmão que os esperava. Muito feliz por tornar
a vê-los o príncipe lhes narrou suas aventuras e disse que
daí a um ano voltaria para desposar a maravilhosa princesa e reinar
com ela sobre um grande país. Puseram-se os três de regresso
para casa. Atravessarm um reino assolado pela guerra, estando o rei desesperado
de poder salvar-se e a seu povo. O príncipe confiou-lhe então
o saco de trigo e a espada mágica, com os quais o rei derrotou os
exércitos invasores e encheu os celeiros até o forro. O príncipe
tornou a receber a espada e o saquinho de trigo e os três irmãos
seguiram viagem, tomando um navio para encurtar o caminho.
Durante a travessia os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes,
começaram a conspirar contra o mais novo. "Nosso irmão conseguiu
a Água da Vida e nós não; com isso nosso pai o promoverá
a herdeiro do trono que deveria ser nosso e nada nos restará." Então
juraram perdê-lo. De noite quando ele dormia furtaram-lhe o frasco
e substituíram a Água da Vida por água salgada. Tentaram
também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo mas os objetos
desapareceram de repente.
Chegando em casa o jovem correu para o pai e lhe apresentou o frasco para
que logo sarasse. Mal engoliu alguns goles daquela água salgada
o rei piorou sensivelmente. Estava se lastimando quando chegaram os mais
velhos e acusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles porém
traziam a verdadeira Água da Vida e lha ofereceram. Apenas bebeu
alguns goles pôde se levantar do leito cheio de vida e saúde
como nos tempos da juventude. O pobre príncipe, expulso da presença
do pai, se entregou ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com
ele rindo e mofando: "Pobre tolo! Tu tiveste todo o trabalho e conseguiste
encontrar a Água da Vida mas nós tivemos o proveito; devias
ser mais esperto e manter os olhos abertos, enquanto dormias a bordo trocamos
o frasco por outro de água salgada. E poderíamos se quiséssemos
ter-te atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó.
Livra-te contudo de reclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não
te acreditaria; se disseres uma só palavra não nos escaparás,
perderás a vida. Também não penses em ir desposar
a princesa daqui a um ano, ela pertencerá a um de nós dois."
O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o
quisera envenenar. Convocou seus ministros e conselheiros e lhes submeteu
o caso. Foram todos de opinião que o príncipe merecia
a morte e o rei decidiu que fosse morto secretamente por um tiro. Partindo
o moço para a caça sem suspeitar de nada um dos criados do
rei foi encarregado de o acompanhar e matar na floresta. Chegando ao lugar
destinado o criado, que era o primeiro caçador do rei, estava com
um ar tão triste que o príncipe lhe indagou a razão:
"Que tens, caro caçador?" "Proibiram-me de falar, mas devo dizer
tudo." "Dize então o que há, nada temas." "Estou aqui por
ordem do rei e devo matar-vos." O príncipe se sobressaltou mas disse:
"Meu amigo, deixa-me viver. Dar-te-ei meus belos trajes em recompensa e
tu me darás os teus, que são mais pobres." "Da melhor boa
vontade" disse o caçador. "É preciso que o rei julgue que
executaste suas ordens senão sua cólera recairá sobre
ti. Vestirei estas roupas feias e tu levarás as minhas como
prova de que me mataste. Em seguida abandonarei para sempre este reino."
Assim fizeram.
Pouco tempo depois o rei viu chegar uma embaixada faustosa do rei vizinho
incumbida de entregar ao bom príncipe os mais ricos presentes em
agradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do
inimigo. Diante disso o rei se pôs a refletir: "Meu filho seria inocente?"
e comunicou aos que o serviam: "Como me arrependo de o ter mandado matar!
Ah, se ainda estivesse vivo ..." Encorajado por estas palavras o caçador
revelou a verdade. Disse ao rei que o bom principe estava vivo mas em lugar
ignorado. Imediatamente o rei mandou um arauto proclamar por todo o país
que considerava o filho inocente e que desejava imensamente sua volta.
Mas a notícia não chegou ao príncipe; encontrara seu
amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para poder viver como um
filho de rei.
Nesse ínterim a princesa do castelo encantado que ele livrara do
sortilégio mandara construir uma avenida toda calçada com
chapas de ouro maciço e pedras preciosas que conduzia diretamente
ao castelo, explicando aos seus vassalos: "O filho do rei que será
meu esposo não tardará a chegar; virá a galope bem
pelo meio da avenida. Mas se outros pretendentes vierem, cavalgando à
beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas." Com efeito, dia por dia,
um ano depois do jovem príncipe ter penetrado no castelo, o irmão
mais velho achou que podia se apresentar como sendo o salvador e receber
a princesa por esposa. Vendo aquela avenida calçada no meio de ouro
e pedrarias não quis que o cavalo estragasse com as patas tanta
riqueza que já considerava sua e fez o animal passar pelo lado direito.
Quando chegou diante do portão e disse ser o noivo da princesa todos
riram e depois o correram de lá a chicote. Pouco tempo depois veio
o segundo príncipe, e vendo todo aquile ouro e jóias pensou
que seria um pecado arruiná-los; fez o cavalo galopar pelo lado
esquerdo e se apresentou como sendo o noivo da princesa. Teve a mesma sorte
do irmão mais velho: foi corrido a chicote. Findava o ano estabelecido
e o terceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com
sua amada e a seu lado esquecer as mágoas. Pôs-se a caminho
pensando só na felicidade de tornar a ver a linda princesa; ia tão
embebido que nem sequer viu que a estrada estava toda coberta de pedras
preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio da avenida, e quando chegou
diante do portão do castelo este lhe foi aberto de par em par. Soaram
alegres fanfarras e uma multidão de fidalgos saiu para recebê-lo.
Dentrou em pouco apareceu a princesa, deslumbrante de beleza, que o acolheu
cheia de felicidade e declarou a todos que ele era seu salvador e senhor
daquele reino. As núpcias foram realizadas imediatamente em meio
a esplêndidas festas.
Terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela lhe contou que seu pai
o havia proclamado inocente e desejava vê-lo de novo. Acompanhado
da rainha sua esposa ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo que se passara:
como fora traído pelos irmãos e como estes o obrigaram a
se calar. O rei, extremamente irritado contra eles, mandou que seus arqueiros
os trouxessem à sua presença a fim de receberem o castigo
merecido, mas vendo suas maldades descobertas eles tinham tomado um barco
tentando fugir para terras longínquas para aí esconderem
sua vergonha. Não o conseguiram. Sobreveio uma tremenda tempestade
que tragou o navio e eles pereceram miseravelmente.
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Pedimos apenas que a autoria seja citada. Quando se tratar de textos de
outros autores, estes devem ser consultados.
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